segunda-feira, 6 de julho de 2009

Gramática: Prova comentada do concurso do TRE-MA (CESPE) – 2009.

   Recentemente, tive contato com o caderno de questões V do concurso do TRE-MA (CESPE) através de amigo meu, que me pedira que o olhasse. Não sabendo que havia mais questões de Língua Portuguesa nos demais cadernos, acabei comentando somente o caderno supra. Pensava que mudava somente a ordem das questões; não atentara, no entanto, que, obviamente, para cada cargo, haveria diferentes exigências. Prometo, entretanto, que, assim que tiver contato com as questões de português restantes, comentá-las-ei, postando aqui o que escrever sobre elas. Seguem abaixo o endereço que leva à prova e os comentários das questões do caderno de questões V.

• Prova: Caderno de questões V (23/06/09).

• Prova comentada:

1.ª Questão) Na opção a, o pronome se é partícula integrante do verbo pronominal tornar-se; como verbo de ligação, tornar é pronominal, mas, como verbo transobjetivo, aquele que exige complemento direto e predicativo deste, ele não é pronominal. Portanto, o se não exerce função de predicativo do sujeito; tal palavra não exerce função sintática, é mera partícula integrante. Na letra bê, o verbo verificar está na voz passiva sintética (ou pronominal), de modo que a oração seguinte, transposta por que para nível de substantivo, é sujeito paciente. Na letra cê, o se é partícula integrante do verbo cingir-se, que, nesse caso, é usado figuradamente, ou seja, não é usado com sua acepção primitiva de abraçar; não é, portanto, objeto indireto. Na letra dê, a palavra se é, de fato, índice de voz passiva; o sujeito paciente é as propostas de mudanças que a ele dizem respeito. É possível passar o verbo à forma analítica (perifrástica) e perceber melhor que se trata de voz passiva. Atente-se na mudança: "Por isso, inquestionavelmente, as propostas de mudanças que a eles dizem respeito são consideradas reformas eleitorais". Na letra e, ocorre mais um caso de partícula integrante, que é também chamada de pronome fossilizado por alguns gramáticos mais presos à tradição; não é o se, neste caso, índice de indeterminação do sujeito.

Gabarito: letra dê.

2.ª Questão) Nesta questão, o solecismo (transgressão sintática) de concordância está bem explícito. Ele pertence justo à primeira opção. O interessante é perceber que, apesar de o escritor da Folha ter tido esmero louvável com a colocação dos termos na oração e com a sintaxe de regência, pecou feio quando não fez concordar o verbo constituir com o referente semântico do relativo que, que é partidos. O vacilo está, então, em "partidos que constitui", que deveria ter sido escrito "partidos que constituem".

Gabarito: letra a.

3.ª Questão) Eis a primeira questão de Semântica e de Hermenêutica. Na letra a, a informação de que a palavra anêmica foi empregada em sentido conotativo está correta; para perceber isso, é necessário que se saiba que o significado da palavra não é o de origem, aquele que, chamado denotativo, não permite mais de uma interpretação. A conotação representa os matizes semânticos que uma palavra pode assumir, ou seja, representa a possibilidade de uma palavra, por distanciamento do seu significado próprio, assumir valores semânticos diferentes, que tornam o discurso mais rico e expressivo. Na letra bê, está correto afirmar que o Governo monárquico foi, de fato, centralizado, o que o tornou próximo a uma autocracia; D. Pedro I, amparado pelo Poder Moderador, esfera política a que se subordinavam todas as outras, conseguiu impor controle sobre as províncias através de indicações próprias. No texto do Correio Braziliense, por sinal o primeiro jornal do Brasil inteiramente livre de censura, essas informações são confirmadas pelos seguintes trechos: "Consolidou a unidade nacional, mantendo as províncias administradas por presidentes de livre escolha do imperador" e "Chefe supremo da nação e investido do Poder Moderador, a ele incumbia o dever de velar pela manutenção da independência, do equilíbrio e da harmonia dos demais poderes". Na letra cê, está clara a incorreção quando se afirma que havia, na Constituição da Revolução de 30, solidez e que tal carta possuia credibilidade junto ao povo. No texto, têm-se os trechos que provam a falsidade desta opção: "... o Brasil passou a viver clima de instabilidade, refletido na vulnerabilidade daquela que deveria ser a lei mais conhecida, respeitada, amada e defendida pelo povo". Na letra dê, está correto afirmar que a Constituição de 88 não é concisa, o que é provado, no texto, pelo adjetivo prolixa, determinante no sintagma A prolixa Constituição. Prolixo é aquilo que não é conciso, ou seja, que é demasiado estendido. Na letra e, para identificar tal opção como correta, é suficiente recorrer a este trecho do texto: "A de 67, redigida por determinação do presidente Castello Branco, foi estrangulada pela Emenda n.º 1 da Junta Militar".

Gabarito: letra cê.

4.ª Questão) Eu, particularmente, vejo, no texto da questão, muitas deficiências sobre as quais a correção da Sintaxe tem de agir. Almir Pazzianotto Pinto preocupa-se em seguir corretamente as sintaxes de colocação, de regência e de concordância, mas peca quando, várias vezes, não atenta na corrupção do paralelismo sintático; o escritor coordena oração com palavra duas ou três vezes e não se preocupa em manter a clareza do longo enunciado enumerativo através do bom uso da pontuação. Deficiências à parte, seguem as opções comentadas. Quanto ao que é dito na letra a, empregaram-se vírgulas na linha 17 não porque os termos destacados na opção são apostos, mas sim porque são eles termos coordenados. Aliás, eles são núcleos de adjuntos adnominais, e não apostos, como foi dito. Quanto ao que se diz na letra bê, não há fundamento algum na substituição do relativo cujo por o qual. O pronome cujo só se emprega quando há necessidade de referência a termo antecedente através de consequente que estabelece com aquele relação de posse. Atente-se nestes exemplos: "Joaquim, de cuja bicicleta falamos, não pensa em outra coisa senão em pedalar", "O documento, cuja autenticação não fora comprovada, perdeu totalmente a validade". Note-se a relação de pertença que se estabelece entre Joaquim e a bicicleta (a bicicleta de Joaquim) e entre o documento e a autenticação (a autenticação do documento). O relativo o qual equivale a que, mas tem empregos especiais, diferentes dos deste último. Quanto à letra cê, sabe-se que tão logo é locução conjuntiva sinônima de assim que, de modo que não há prejuízo de correção gramatical quando se substitui uma forma por outra. Na letra dê, exemplifica-se o processo dêitico realizado pelos pronomes. Essa classe de palavras tem por função substituir nomes ou mesmo orações inteiras que foram ou serão apresentadas ao leitor. A dêixis é o processo linguístico de apresentar ou definir mostrando. Em "o integram" o pronome oblíquo átono o retoma (anáfora) o antecedente Pacto Republicano. A opção dê está correta. Na letra e, afirma-se que declarar é transitivo indireto, o que não é verdade; tal verbo requer complemento direto, que, no texto, é representado por série de orações e palavras coordenadas. A coordenação de termos de formas distintas corrompe o que é chamado de paralelismo sintático ou de simetria de coordenação. O escritor não atentou nesse detalhe e cometeu esse erro de estilo, que torna o texto, às vezes, pouco claro.

Gabarito: letra dê.

5.ª Questão) Texto muito bem escrito, este de Frei Betto. Sem a perífrase enfadonha de que se valem muitos quando tratam desse assunto, Frei Betto soube contestar visão a que tantos, inconscientemente, se acostumaram. Aquiescer, nesses casos, é um crime cuja gravidade todos deveriam enxergar. Comentários à parte, vamos às opções. Na letra a, diz-se que a crase indicada pela contração à se deve à regência da forma verbal devemos, o que não é correto, pois tal forma verbal não tem significação externa, senão é mero verbo auxiliar. A crase deve-se à locução verbal devemos ir, e não propriamente ao verbo devemos. Essa opção é uma pegadinha muito bem feita pela CESPE; os apressadinhos, que geralmente são desatentos, teimam em errar marcando, com todo a filáucia de sujeito entendido, opções como esta. Quanto ao que se afirma na opção bê, o emprego de primeira pessoa do singular, o que caracteriza pessoalidade textual, confere ao que é escrito subjetividade e aproximação de quem escreve ao tema abordado, ou seja, trata-se justo do contrário do que foi afirmado na opção; portanto, está ela errada. Quanto à letra cê, o advérbio de modo a que se refere o escritor é aparentemente, e não óbvia. Mesmo o leitor descuidado, que não tenha encontrado o referido advérbio de modo, poderia notar que esta opção está errada, porque a forma óbvia só é advérbio numa única circunstância: quando é forma reduzida de advérbio em -mente e está coordenada antes de outro advérbio de mesma terminação (ex.: "Joaquim Damasceno falou obvia e claramente que preferiria lutar a ser escravo."). Como este não é o caso do óbvia que aparece no texto de Frei Betto, só se pode concluir que óbvia é adjetivo, sua classificação original. Esta opção está, portanto, errada. A letra dê é meio frustrante para quem tem conhecimento gramatical um pouco mais sofisticado; pensei que, pela tendência que vinha assumindo a questão, a opção correta apresentasse desafio ao candidato, mas, infelizmente, ela é excessivamente simples. É de conhecimento de quase todo o mundo que já tenha lido, mesmo com pouca atenção, gramática qualquer que porém apresenta sinonímia com entretanto. Esta é, portanto, a opção correta. Na letra e, aparece o caso em que há distinção entre as expressões cerca de, acerca de, a cerca de e há cerca de. Cerca de é usado quando se quer dizer aproximadamente. Ex.: "Cerca de 90% dos parlamentares foram contra a medida que passaria a impedir que seus parentes viajassem de avião, deliberadamente, à custa de dinheiro público". Acerca de é locução prepositiva que equivale a sobre, a respeito de etc. Ex.: "Acerca da celeuma em que se envolveram dois ministros do Supremo, o Presidente não quis ser profundo em seu comentário à mídia televisiva". A cerca de é expressão geralmente usada quando se delimita medida aproximada de tempo ou de espaço, e introduz, no mais das vezes, adjunto adverbial. Ex.: "A casa de Manuelito fica a cerca de 200 metros", "Daqui a cerca de duas horas, iremos à festa de aniversário de tia Esmeraldina". Há cerca de é expressão que indica tempo decorrido de cuja duração não se tem certeza e equivale à expressão há aproximadamente. Ex.: "Há cerca de dois meses, a família Silva comprou uma casa no bairro José de Alencar". Pelo que se conclui dessa distinção, a opção e está errada.

Gabarito: letra dê.

6.ª Questão) Outro texto muito bem escrito por Frei Betto. A questão trata de pontuação. Vamos às opções. No que se refere à letra a, é importante saber quando e para que empregar ponto-e-vírgula. Esse sinal de pontuação gera muita polêmica desmedida e sem razão; para os que não têm segurança ao empregá-lo, ele é de somenos importância. O uso do ponto-e-vírgula nao é o bicho-papão que pintam por aí. Existe uma regra primeira que diz que só se usa esse sinal para separar orações coordenadas, e nunca orações que são apenas subordinadas. As particularidades vão, então, aparecendo: o ponto-e-vírgula é usado para separar termos coordenados muito extensos e para, consequentemente, evitar confusão e carência de inteligibilidade; o referido sinal também é usado para separar as alíneas de uma lei e os considerandos que constituem o preâmbulo de decreto, de portaria, de acórdão etc.; também se usa ponto-e-vírgula para separar várias orações coordenadas que possuem, em seu interior, termos separados por vírgulas; o sinal é empregado para separar elementos de uma enumeração qualquer; e, por fim, emprega-se ponto-e-vírgular para separar orações coordenadas que constituem uma distribuição. Na letra a, ocorre erro quando se afirma que o ponto-e-vírgula separa orações tão-só subordinadas; no texto, esse sinal está separando termos coordenados que não são sequer todos oracionais. Quanto à opção bê, houve, de fato, elipse de teve como paradigma; esse recurso é indicado pelo emprego de vírgula, embora não seja necessário que sempre se use vírgula para indicar esse tipo de elipse. Quanto ao que se afirma na letra cê, o emprego de vírgula justifica-se pela coordenação de termos, que, nesse caso, são predicativos do sujeito, e não apostos. Na letra dê, afirma-se que a oração separada por vírgula é adjetiva restritiva, o que não é verdade; a oração subordinada é, em verdade, adjetiva explicativa, ou seja, traz informação extra sobre o termo crise, a qual pode ser omitida sem grande prejuízo de entendimento. A letra dê está, portanto, errada. A opção e é totalmente absurda; não há, no período em que se encontra a expressão desigualdade social, sequer uma oração reduzida de gerúndio, que, por sinal, não é, por si só, critério peremptório para o emprego de vírgula.

Gabarito: letra bê.

7.ª Questão) É comum, em provas de concurso, dar ao candidato o papel momentâneo de revisor textual, o que é ótima estratégia para racionalizar a escrita e aprimorar a percepção de quem escreve. O único trecho que está gramaticalmente correto e apropriado para compor um documento oficial é o da opção e. Os demais, além de possuírem muitas transgressões gramaticais, pecam pela inadequação vocabular, ou seja, pelo emprego de palavras e expressões que não podem pertencer a um documento oficial. São indícios de inadequação vocabular: rapidinho, matutando etc. Há solecismos de pontuação nos trechos das letras bê e cê. Há flexão equivocada de infinitivo na letra cê. Na letra dê, há erros de regência verbal e de colocação pronominal.

Gabarito: letra e.

Um comentário:

  1. E aí Gustavo. Obrigado por comentar a prova. Foi uma boa ter postado aqui.

    Abraço.

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A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.