Quem nunca se riu daquela bicharada toda, feito gente, na música Siri jogando bola, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas? Pois digo que o antropomorfismo da fauna sertaneja, com o propósito de fazer rir, não é novidade em poesia. No séc. XIX, poetas populares do quilate de Firmino Teixeira do Amaral e de Leandro Gomes de Barros, além do famoso repentista Luís Dantas Quesado, idolatrado por folcloristas, e de outros poetas menos conhecidos, já haviam composto verdadeiras gemas do pictórico poético da animalada sertaneja.
Não me arrisco a supor que os dois compositores a que fiz referência tenham sido, de certo modo, influenciados por esses menestréis do sertão. Talvez tenham entrado em contato com algumas décimas desses vates, tamanha a similaridade da composição dos bichos e suas atitudes, humanadas. Vale lembrar que Zé Dantas, além de compositor e poeta, também era folclorista, o que torna a hipótese ainda mais provável.
Vejam vocês essas décimas de autoria atribuída a Luís Dantas Quesado, registradas pelo folclorista cearense Leonardo Mota:
Vi um teú escrevendo, |
Vi um quati marceneiro, |
Vi um peba fogueteiro |
Vi um peixe de chocalho, |
Vi mosca batendo sola, |
Vi um morcego oculista |
Outro poeta que tratou dos bichos que falam, como intitulou Leota um dos capítulos do Violeiros do Norte, de onde retirei a passagem, foi o vate Jacó Passarinho, cantador cearense, de Mutamba, cuja décima está registada abaixo:
Eu vi um lacrau de dente |
Outro registro, de semelhante valor pitoresco, coletado pelo folclorista, são estas duas décimas do cego José Tenório:
Vi minhoca destemida |
Da venta dum mucuim |
Se vasculharmos mais fundo no baú da literatura de cordel, certamente aparecerão outros casos parecidos. A parte inicial do capítulo Os bichos falam, do livro Violeiros do Norte, de Leonardo Mota, pode ser lida no saite Jangada Brasil, através deste linque.
(fonte: MOTA, Leonardo. Violeiros do Norte. 4.ª ed. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1976. 259 págs.)