Inicialmente denominada Spice, a banda inglesa, no final de 1969, passa a se chamar Uriah Heep, nome de uma das personagens do romance David Copperfield, de Dickens. A estreia do grupo musical é arrebatadora. Quem conhece Uriah Heep sabe que não me preciso estender falando da banda. O disco ...Very 'eavy ...Very 'umble está longe de ser o melhor álbum do grupo, mas é obra muito boa. Alguns dizem que Uriah Heep é banda de roque progressivo porque, em muitas canções, há forte presença de teclados com sintetizadores, mudanças de andamento mais exóticas e que tais; não acho que seja banda suficientemente progressiva. Enquadra-se mais no grupo das bandas de hard rock sessentista mais experimentais. O álbum de estreia traz uma das mais esquisitas capas que já vi; nela está o finado vocalista David Byron, que esteve à frente da banda de 69 a 76, com a cabeça envolta por teia de aranha. A pretensão é fazer resenha musical leveira e sincera, sem os atavios enfadonhos de descrição estreitamente técnica nem os arroubos de encantamento pela obra que estacionam o raciocínio às primeiras notas. Tendo essa posição como fulcro do juízo, entro a descrever cada uma das canções. Gypsy inicia o álbum muito bem, com força; os teclados começam reclamando da vida e, em seguida, o contrabaixo se intromete, com a timidez caraterística, e também começa a reclamar da vida. Depois de um tantinho, estão os dois instrumentos discutindo, batendo boca, porque a bateria 'tá dando as ordens, fazendo a marcação. No entanto, o que traz ordem ao caos são os riffs fortíssimos de guitarra que, no início do segundo minuto, insinua como a música se deve desenrolar. O terreno, nesse momento, na metade do segundo minuto, está preparado para o ingresso de David Byron. Aos 2min20s começa o gozo dionisíaco de variadas experiências sonoras; o teclado fica louco, levado pela energia da marcação dos demais instrumentos, e começa um solo devasso, excessivo e inteiramente livre das peias musicais do hard rock (por isso, um tanto experimental, ou um tanto progressivo, como querem alguns). Essa loucura deliciosa dura até os 4min08s de música, e, a partir desse ponto, dá-se a trégua. Aos 4min55, a música se ajusta ao (digamos) hard progressivo típico (sim, o grupo apresenta traços progressivos) e continua com a marcação pesada, com a guitarra aguerrida e com os teclados soltos e danados. Aos 5min55, dá-se a experiência, uma bagunça envolvendo todos os instrumentos, e o fim caceteiro. Excelente entrada, Gypsy. Walking In Your Shadow não me impressiona, é boa canção de hard rock. Traz um bom solo de guitarra, seguido duma leveira quebra de ritmo, que é imediatamente revertido ao estado dantes. Destaque para muito bons riffs de guitarra. Come Away Melinda é a canção mais melodiosa do álbum, às vezes minguante, meio chorosa, mas boa. Lucy Blues é tão-somente bom exemplar de blues, sem nada de especial; às vezes, a canção é comum até demais (se bem que isso é bem desse gênero musical: nele há sempre um catatau de canções parecidas). O que mais nos chama atenção são as muito boas passagens de teclado, com uma pitada de nervosismo que fica muito bem na marcação de blues. O bom desse momento bluesístico é que Byron pode abusar bastante de sua voz; a veia excessivamente melódica mais do que permite. Dreammare (agora, sim!) é um dos pontos altos desse álbum, se não o mais alto; é cacetada de hard rock. Excetuando-se o cantarolado no entremeio da melodia (isso é bem pessoal: não gostei muito), a canção revela a que veio toda a energia da banda. Outra canção muito boa vem em seguida; Real Turned On é outro ponto alto, e os riffs de guitarra nela presentes lembram-me muito, muito mesmo, Wishbone Ash, sem toda a multiplicidade de guitarras, evidentemente. Talvez seja toda a típica energia do hard rock pincelada, muito certamente, com o andamento bluesístico em algumas levadas, um pouco mais enérgico, o que me faz lembrar essa outra banda britânica. I'll Keep On Trying é gema da banda, até hoje muito presente nos shows; a introdução dada por guitarra, teclado e canto bem chamativo é bem a cara do Uriah Heep. Há, nessa canção, algumas mudanças de andamento bem típicas: aos 2min10, a canção torna-se bem mais melodiosa, com um coro ao fundo, o que é, em verdade, o introito de um crescente e paulatino retorno à agressividade dum solo fortíssimo de guitarra, que imediatamente explode. Aos 4min37 ocorre a mudança de andamente que já se havia dado nos instantes iniciais da canção, a guitarra traça o rumo ligeiro e enérgico, que desemboca num excedente de teclado fazendo charme no encerramento da canção, imitado, pouco depois, pelo resto dos instrumentos. Wake Up (ou Set Your Sight) é muito boa! É a canção mais bem composta e talvez a mais tecnicamente esmerada do disco. Começa falseando, sem querer entregar o jogo, mostrando a voz lamentosa e minguante de Byron e dando sinais, falsos, de que a música será excessivamente pra baixo. O andamento de bateria, entanto, desmente tudo, pouco depois, ainda no começo da canção, e assume espírito bastante jazzístico. O contrabaixo e a guitarra seguem a energia alegremente iniciada pela bateria. A voz um tanto chorosa, às vezes, contrasta com essa levada um pouco mais enérgica. A mudança de ânimo nos entremeios da canção faz dela a mais interessante do álbum, ou mesmo a melhor (por que não?). Aos exatos 3min, a música torna-se mais leve, mais onírica, mais doce, o que a faz bastante especial, pois a transição foi muito bem preparada, sem romper com todo o tema, que é encerrado nesse estado, mais leve e bonito.
Faixas:
1. Gypsy [6min38s]
2. Walking in Your Shadow [4min30s]
3. Come Away Melinda [3min48s]
4. Lucy Blues [5min8s]
5. Dreammare [4min37s]
6. Real Turned On [3min39s]
7. I'll Keep on Trying [5min27s]
8. Wake Up (Set Your Sight) [6min20s]
Selo: Mercury.
Lançamento: Junho de 1970.