terça-feira, 15 de julho de 2008

Crônica: Há um ano...

    Há um ano, à tarde de um domingo tranqüilo, tão calmo que me punha angustiado, resolvi criar este blogue. Como sabe o visitante que leu a postagem inaugural, a minha história com blogues sempre mostrou-se um total desazo por conta dos problemas que me surgiam quando tentava publicar textos: a ferramenta perra de formatação que alguns maus servidores forneciam e a pouca estabilidade do contato entre servidor e blogueiro. O salvador-da-pátria foi um aplicativo de edição que ainda me auxilia bastante; tratei de descrevê-lo naqueloutra postagem, posto que aqui ficarão apenas os outros 364 dias; a falta de arrojo da inauguração morreu por lá mesmo.

    Escrevi pouco, mas o texto, seguindo outro rumo, tornou-se agora o que aparenta ser, visto que é de todo dinâmico: uma obra sem prazo de conclusão. O momento da crônica e da poesia é decerto o que mais perdurou em meus textos, aqueles realmente próprios do momento que vivia, pois muitos outros, senão a maioria dos que por mim foram escritos nesse primeiro ano findo, foram as encomendas semanais das aulas de redação. Outros tantos, encomendados, convergiram com o escopo de minha escrita natural, e alguns desses acabaram parando neste blogue. Há textos meus que temo publicar, posto que me instiguem ao forte desejo de vê-los quedados aqui; desses textos atrevidos, ousei publicar um em que tratava do nonagésimo aniversário de uma grande revolução que delineou o rumo da história do séc. XX; a resposta, presta, foi a perda de meu diretório de hospedagem em um servidor europeu. Pensei ter sido o fato um problema interno ao sistema de cadastros do servidor ou talvez um tremendo caos no banco de dados de meu diretório, tão catastrófico que me causou a perda de todo o meu cadastro; posto que os servidores gratuitos de hospedagem apresentem problemas comuns de operação, a segunda hipótese era deveras insólita. Custou-me pouco saber o motivo do ocorrido, pois recebi mensagem eletrônica do servidor, que me informava o que eu já tinha em mente e que o leitor agudo decerto já percebera.

    Mudei, por tudo que fora feito, para este servidor, que espero ser definitivo. No que concerne às novas ferramentas fornecidas, tive estima apenas àquelas mais pragmáticas, que tratam tão-só da organização dos textos e das ligações externas; a mudança do visual (template) foi mera conseqüência da harmonia e da estabilidade que o blogue já estava assumindo. O contador foi culpa de minha curiosidade pouco importante de ter noção do ritmo das visitas, obviamente. Pode ter estranhado o leitor atento, ou nem tanto, que o esqueleto deste blogue carece de um sumário legítimo, tão necessário quanto aquele impresso que auxilia o início de leitura. Espero, entretanto, ter maior número de textos para, finalmente, preparar divisão em categorias. Tenho, atualmente, a formatação, tanto dos textos quanto dos outros componentes do blogue, como forte adjutório à estabilidade dos escritos, dos rascunhos.

    Como se pode notar, não publico somente textos de minha autoria, senão todos os que me motivam a publicação, de modo que a fonte e o crédito são prioridades. Desses textos, que assumem posto muito mais elevado quando comparados com meus desazados rascunhos, destaco o poema Amor Platônico de meu amigo Robson, rapaz que detém habilidade natural, deveras espontânea, para a cor dos versos; a rima entrega-se presto ao controle desse poeta cantador e ele, com assustadora criatividade, sabe ordernar os versos com bastante esmero. Apesar de todo esse domínio da rima, publiquei o referido poema, que é branco e não deixa a desejar àqueloutros a que dirigi encômios que não julgo exagerados. Os outros textos são bastante vários, alguns tratam de descobertas da ciência, outros são crônicas e poesias de autores cujos estilos admiro. Na abertura deste ano, compus alguns versos livres, caquéticos e engraçados, uns versos bugios; não vieram, portanto, ao blogue. Eles são frutos, às vezes, do cansaço e surgem de supetão; muitas vezes, assustam-me, de modo que não os queria assim, ou seja, são quase autônomos. A maioria deles é fruto de uma madruga tediosa. A criação também é um tipo de resistência, não àquilo que me é externo, senão às minhas condições no exato momento em que escrevo. Ultimamente, tenho-me mostrado inábil e, por conseqüência, inerme aos acontecimentos, tenho criado muito pouco, o que é, de fato, ir à guerra despreparado. Sinto-me, por vezes, vilão de uma condição que me impus; devê-lo-ia reverter em papéis escritos. Tenho-me posto sob a teoria, quase como espécie de títere, através do qual ela controla-me o ânimo. Outro entrave é a sistematização da escrita, que já fora tema de outra crônica minha, um texto mais consciente que este. Quem diria que, para representar o primeiro ano do blogue, viria este desazo que escrevo quase imerso em sono? Quem não me deixa dormir é o bom Duke Ellington e sua orquestra, no festival de Newport em 1956. E o histórico solo do saxofonista Paul Gonsalves em Diminuendo And Crescendo In Blue, de fato, mantém-me atento à tela do computador.

    No final do ano passado, talvez em novembro, passei a escrever em um fórum de Língua Portuguesa. Surgiam as dúvidas de fonologia, ortografia, sintaxe, etc., e eu tratava de colaborar, ajudando os confrades. Acompanhei o desenvolver do fórum, que começara tímido, com poucos membros e sem muitos tópicos. Hoje, há 144 tópicos, 440 mensagens e 1.065 membros, o que é quantia razoável para um fórum que entrou em funcionamento em abril de 2007. Das 440 mensagens, escrevi até agora 130 mensagens, das quais algumas tomaram volume de tópico e vieram parar neste blogue. Destinarei, quando estiverem montadas as categorias deste sítio, espaço para as questões gramaticais; algumas me forçavam a tratar por completo de alguns assuntos de sintaxe, como foi o caso do tópico sobre a palavra que, visto que é forçoso, sim, concluir toda a explanação. Necessário também é ser claro, bem explícito, em relação a algumas questões. Tanto exijo isso de mim, que Giorgio, amigo e um dos mais ativos foristas do SOLP, perguntou-me como tenho paciência para a explicação demasiada, apurada, que tampa os buracos e permite que haja total apreensão do assunto por parte do forista que possuía a dúvida. Ora, não costumo responder com um sorriso amargo daquele tipo prestadio que tão-só responde às dúvidas, pois, se as respostas lá estão escritas, têm de ser bons registros, para que no futuro, se o fórum se mantiver de pé, sirvam como fonte para dúvidas comuns. Do fórum a este blogue, as respostas mais volumadas chegavam em boas quantias. O resguardo do anonimato dos que tinham a dúvida é atitude que ainda priorizo, visto que alguns receiam aparentar tê-las. Dúvidas são dúvidas, todos temos; a anonímia, entretanto, é mantida. Todos os tópicos gramaticais deste blogue trazem, e continuarão a fazê-lo, a marca do fórum SOLP; são textos meus que estão registrados em tal instrumento de comunicação entre internautas.

   Quanto à música, expressão vivaz do espírito humano, a qual tanto estimo, penso em publicar antigas resenhas minhas, revisadas e completadas. Antigamente, não sei se já falei sobre isso aqui no Rascunho, possuía um blogue inteiramente dedicado ao roque, no qual resenhava álbuns de bandas de progressivo, hard rock, metal, blues-rock etc. Cheguei a escrever sobre os álbuns Heavy Horses, da banda inglesa Jethro Tull; Rotters' Club, da também inglesa, da Cantuária (Canterbury), Hatfield and The North (por sinal, o cenário progressivo da Cantuária é riquíssimo); Tons of Sobs, da Free, entre outros discos. Se eu decidir, realmente, publicar resenhas de álbuns e de bandas, serei mais amplo, tratando de blues, de jazz (estilo que ainda pouco conheço) e do já ventilado rock 'n' roll. Penso em tratar das boas bandas progressivas da Itália, jóias dessa vertente do roque, as quais só passei a conhecer no início de 2006. Este blogue completa, enfim, um ano composto de momentos frutíferos e de outros tão quietos, preguiçosos, que ensombravam um mês, que urgia ser preenchido por rascunhos quaisquer, ainda que caquéticos, em total desazo. Escrever, em parte, é isto: o paradoxo de refletir sem registrar, ou registrar de tal modo que a reflexão ganhe outras formas pelo leitor. O silêncio em música é demasiado semelhante à pura reflexão referida, quieta, sem o registro presto, na escrita. A introspecção, as tentativas de pensar diverso o que merece ser escrito, já nos vale como intervalo entre o ínicio da resistência, da criação, e o estourar da caneta, nervosa, sobre o papel. É, sim, essa mesma importância de resistir a si e ao que será escrito, esse intervalo de instropecção, que também define o silêncio forçoso na música: espécie de necessidade da composição, ora apaziguante, ora angustiante; causa, justamente, na escrita, a ânsia pelo manchar do papel. De fato, ninguém conhece de todo o silêncio, posto que ele é a pura sugestão inserida ao que é composto; todos, entretanto, têm a falar sobre o mutismo que aparentemente não nos diz nada. O silêncio, tal como o intervalo de reflexão na escrita, nunca será fruto de meras ilações; o estouro da conclusão, vã dedução, sozinho, não leva à escrita. Ele, o silêncio, certamente, diz-nos tudo, traça-nos o itinerário que devemos seguir a fim de começarmos a escrita. Quando, então, estamos na iminência do registro, as idéias já estão cá nos bolsos, insurgentes, e querem-se antecipar umas às outras no papel com imensa fúria. O texto do primeiro aniversário, que é escrito em um domingo, apesar de o dia que marca o primeiro ano findo do blogue ser esta terça-feira, começa e termina em mesmo ar, dominado pela mesma angústia motivada por tarde de domingo semelhante em tudo àqueloutra que me deu motivos para criar este blogue. Texto semelhante a visita desjeitosa que não sabe como se despedir do dono da casa, este não sabe edificar o bom desfecho, que deixa boa aparência ao texto. Um remate presto é o que quero depois de tão pouco falar sobre um ano de O Rascunho, um registro pouco e imarcescível de mim: simplesmente, fim.

(por Gustavo Henrique S. A. Luna)

A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.