quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Em que dia começa a semana?

Há uma questão que inquieta os falantes do Português: a semana começa no domingo ou na segunda-feira? Eis que, visitando o utilíssimo sítio do Prof. Paulo Hernandes (www.paulohernandes.pro.br), deparei-me com sua resolução acerca da questão: "Na verdade, a semana começa mesmo é na segunda". Fiquei matutando, pois, com sua justificativa: "Prova disso é a expressão fim de semana. Que você entende por “fim de semana”? Se entender que é a reunião do sábado e do domingo, considerará que estes dias finalizam a semana". Concordei por mesmo motivo, já que é deveras alastrado o conceito de fim de semana. O assunto foi, durante muito tempo, tão ventilado que se tornou parte de poema de Antônio Girão Barroso: Os Dias Preguiçosos. Essa poesia traz, de forma bem-humorada, o desenrolar da semana, que, segundo o poeta, é iniciada realmente na terça-feira, pois a segunda-feira nada mais é que a continuação do domingo. Cá está ela:

Os Dias Preguiçosos

Antônio Girão Barroso

Segunda-feira é um grande problema
Tudo está em saber se é o primeiro ou o
(segundo dia da semana.
Há quantos anos, meu Deus, discuto com o meu
(pai
os mais transcendentais problemas da existência.
Mas até hoje nenhum de nós sabe, exatamente,
(se segunda-feira é o primeiro
ou o segundo dia da semana.
É verdade que há o calendário, mas o que vale
(o calendário
diante de um mistério tão grande como esse?
Em todo caso, façamos de conta que é o primeiro
e não o segundo dia da semana.
Para mim, ele apenas continua o domingo
que é o dia de descanso. E nele, nós continuamos
(descansando
das imensas fadigas do domingo: praias quando
(as há
e os indefectíveis passeios com a família.
Terça-feira é que é, realmente, o primeiro dia
(de trabalho.
Agora todos estão compenetrados de que existe,
(de fato, alguma coisa a fazer
e com efeito nós a fazemos, conforme já
(pregava, no seu tempo, N.S. Jesus Cristo.
Quarta-feira que se segue, é um imenso, um
(enorme dia
cujas vinte e quatro horas nós as passamos
(mais ou menos como no dia anterior
e isso é, sem dúvida, de uma rara, de uma
(mosntruosa felicidade.
Já quinta-feira prenuncia algo diferente
com a leitura dos primeiros jornais.
As manchetes nos alimentam mais do que o pão
porém quando chega no fim do dia
vemos que havia muita coisa errada nas manchetes.
Entretanto, a não ser que sobrevenham fatos
(lamentáveis,
o que de vez em quando é possível,
amanhecemos sorrindo no dia seguinte, que é
(sexta-feira:
esse, pelo menos, é véspera de sábado
e sábado é que é o dia, segundo um poeta muito
(nosso conhecido.
Nada acontece, verdadeiramente, de mais
(importante
todavia, restamos satisfeitos precisamente com
(o que não houve.
Sábado não chegamos a trabalhar - para o que é
(que serve então a semana inglesa?
Na verdade, ele nos dá uma manhã sem muito
(quê-fazeres
em todo caso algo divertido
e eis-nos a trançar pernas pelas ruas
até a hora de beber e de conversar.
A filosofia é esta; conversar é bom e beber é melhor.
A semana está finda, praticamente finda
e tem apenas o domingo que-afinal-é mesmo o
(dia de descanso
Do nosso eterno descanso, quando Deus for servido.

(Poesias incompletas. Antônio Girão Barroso. Editora UFC, 1994, pág. 117)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Poesia: Aula de português

Carlos Drummond de Andrade

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.

A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Che Guevara

Uma aula de história deve servir para desconstruir mitos.
Claudio Recco

Um mito se descontrói com uma grande reflexão sobre seu papel na história, percebendo o contexto em que viveu e qual importância teve para as principais transformações que ocorreram em sua época. Um mito se desconstrói analisando as condições objetivas em que suas ações ocorreram, compreendendo as forças sociais e políticas que existiam em dado momento, assim como os interesses econômicos envolvidos.

A discussão sobre um mito torna uma aula de história significativa, pois implica reflexão e não apenas fazer uma lista de grandes realizações de um “grande homem”. Os alunos se envolvem com uma discussão sobre a “importância de Napoleão” e apenas decoram uma aula com as “realizações de Napoleão”.

A matéria da revista Veja sobre Che Guevara é uma das peças mais retrógradas que podemos ver na imprensa nos últimos tempos, não pela opinião dos autores sobre o comunismo ou sobre Che, os medíocres autores podem ter a opinião que quiserem sobre qualquer coisa, mas daí a achar que todos os brasileiros devem ter a mesma opinião...

Nesta semana ouvi.. “todos sabem que Veja é uma revista fascista...”.
Não, as pessoas em geral não sabem.
Não sabem, e muitos acreditam nas “informações produzidas” pela revista.

A revista conseguiu – mais uma vez – dar uma lição de péssimo jornalismo, com a falta de ética básica para uma reportagem e contribuiu para reforçar os problemas do ensino da história no país.
Será que “liberdade de imprensa” significa: “eu tenho o direito de escrever qualquer coisa, sobre qualquer assunto” ???

Afinal, um mito se descontrói com análise e reflexão, coisa que os jornalistas da Veja não tiveram capacidade de fazer.
Para os críticos da revista, nenhuma novidade; para seus leitores assíduos e defensores intransigentes, um atestado de alienação, pois passaram a semana vomitando os argumentos lidos, sem a capacidade crítica de pensarem por si só.

Não é de hoje que parcela significativa da “grande imprensa” (sic) aposta da despolitização e na alienação de amplos setores da sociedade. Porque uma revista deveria contribuir para o povo refletir?, Não, é mais interessante contar a verdade pronta, para que as pessoas apenas repitam.
Ao voltarmos para as salas de aula, podemos resgatar com nossos alunos o papel do jornal O Estado de S Paulo na República Velha, ou da Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda para a crise do populismo e ainda sua importância para o golpe militar de 64

Claudio Recco é coordenador do HISTORIANET

(fonte: historianet.com.br)

Comentário: O Socialismo é, senhores, romântico, nunca existiu e parece, em tempos hodiernos, alienação. Vede os bons ideais de Lênin e o estorvo que se tornou a proposta socialista após sua morte. Também não sou a favor dessa forma acaba de capitalismo neoliberal que atinge, direta ou indiretamente, até o mais recôndito dos povos e faz com que a identidade de uma nação, sua cultura, adstrinja-se a meio quilo de "norte-americanismo". Fico fulminante com o pretexto de sua divulgação em massa: "trata-se de uma cultura universal, que rompe os limites territoriais norte-americanos" (Um estadunidense empolgado com o poder da internete). Sou a favor da antropofagia dos que consomem frutos saudáveis de diversas culturas, mas abomino a falta de reconhecimento, de identidade, causada pela total transferência de cultura. Quem acha que as boas propostas de Che seriam concretizadas através de um fechamento político e econômica também gosta, no mínimo, de esmurrar ponta de faca e comer cacos de vidro. Compreendo e até vanglorio o objetivo do Socialismo Teórico, mas os meios para tal são deveras obscuros, para não dizer que são insólitos. Se houvesse, sim, uma reflexão maior, por muitos que ainda acreditam nos fins teóricos do Socialismo, para planejar meios para atingir tal objetivo em pleno contexto histórico em que vivemos, na supremacia do poder capitalista; poder-se-ia falar futuramente em uma conquista desse sistema. Só estou cônscio de maus exemplos: os diversos totalitarismos de esquerda que houve durante o século passado; e isso, como sabem, só refletiu a miséria de muitas nações, que se viam psicóticas com o perigo de alguém mal intencionado usurpar o poder do proletariado (ditadura do proletariado), que não existia de fato. Por tudo isso, é que volto a afirmar que retomar princípios falhos, como a economia planificada e o fechamento político, só dá margem ao abuso de poder. Aprendi com alguns professores que estudar História é, em parte, desconstruir mitos; lembro-me de quando estudava a Revolução Russa e enchia-me de gosto pelo espírito revolucionário de seus idealizadores, mas notei, com mancadas e tropeços, que não se deve deixar em enganar pelo romantismo revolucionário e que o ideal é a reflexão céptica de um objetivo inserido em um contexto. Então, é assim que me despeço: alertando. Um abraço e até outros comentários.

Cientistas encontram o maior buraco negro já observado

26 de outubro de 2007

A agência espacial americana, NASA, divulgou impressionantes cenas feitas a partir de imagens captadas pelo observatório espacial Chandra e de acordo com cientistas norte-americanos as cenas mostram o que acreditam ser o maior buraco negro já observado, com cerca de 30 vezes a massa do Sol.

A afirmação é do grupo de pesquisadores do instituto de astrofísica da Universidade de Harvard e do Instituto Smithsoniano, liderados pela pesquisadora Andrea Prestwich.

De acordo com as informações divulgadas pelo grupo, o buraco negro se localiza na galáxia IC-10, distante 1.82 milhões de anos-luz da Terra. Ao seu redor, duas estrelas descrevem uma órbita completa a cada 34.4 horas, ao mesmo tempo em que lançam ao espaço gigantescas quantidades de gás, atraídas pelo descomunal força de gravidade do buraco. Esse processo gera grandes quantidades raios-x, detectados pelo observatório Chandra, especializado neste comprimento de onda.

A descoberta foi possível graças às observações sistemáticas de Prestwich e seus colegas, que repararam que as grandes emissões de raios-x geradas pelo sistema de estrelas repentinamente desapareciam. Para encontrar uma resposta, a cientista apontou para lá outro observatório, o satélite Swift, e fez novas observações por 10 dias.

Prestwich confirmou então aquilo que já desconfiava. O sistema binário passava periodicamente à frente de um grande corpo, invisível, que absorvia por completo as emissões de raios-x, fazendo-as simplesmente "sumir" repentinamente e o único objeto capaz de produzir esse fenômeno é o buraco negro.

Para escapar da gravidade da Terra, um corpo precisa ser acelerado a 11 km/s. No caso de um buraco negro, sua gravidade é tão forte que nem mesmo a luz, à velocidade de 300 mil km/s, consegue escapar, daí seu nome "negro", já que não pode ser visto.

Se comprovado, o novo objeto supera outro buraco negro descoberto há poucos dias por um grupo internacional de cientistas. Descoberto em 17 de outubro, o buraco tem massa 16 vezes maior que o Sol e foi o primeiro a ser descoberto em um sistema binário eclipsante, formado por um buraco negro e uma estrela de grande massa da galáxia do Triângulo, ou M33, distante e milhões de anos-luz.

Fotos: No topo, concepção artística mostra o sistema duplo orbitando o buraco negro, visto na cena no canto superior direito. Acima, a galáxia irregular IC 10, distante 1.8 milhões de anos-luz da Terra.

(fonte: apolo11.com)

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Poesia: Não desfazia (Não, disfasia!)

Tenho o veneno intermitente da perífrase em minhas veias
É maldição que me cala, tiro que resvala em meu coração
Não a realizo como um fruto amargo, mal cinza, de problema físico
Não a identifico como motivo maior de minha cisma, nem como
filha pernalta da Psiquê sem norte
Norte este que nunca topou comigo, ou, se já o fizera, não tomei tento

Ah! moça rude! Comunicação lassa, vens de onde!?
Qual teu nome, cobra viperina!? Oh! Só me maltratas
Tens-me escondido por detrás desta farsa, carregado poema imundo
Confunde-te com a fala, mas clareia esta sala escura...
Vê! Quero a mais fluorescente das idéias e que esta
visite-me semanalmente...
Não estimo esta comunicação oca, brinquedo industrializado
de seus vizinhos paraguaios! Sério, não são meus... Não sou telúrico...

Sou deveras mudo, uma inconseqüentemente conseqüente mente
nata da profusão de minha latente disfasia: é fala em fúria!
Sou, antes de tudo, um amante de minha mucosa bucal,
esta que, néscio devorada por efeito de quilofagia, pede socorro...
Comunico-me torpe comigo mesmo, e, aqui, a poesia acalma-se
Mudo de letra, este reflexo do momento em que vivo...
Acabou! Ah! Vou, agora, voltar ao que fazia, desfazia, disfasia...

(Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Crônica: A crônica sem assunto.

Enfim, escrevo-o, um texto mal programado. Teria de começá-lo às seis, mas a enfadonha espera por conectar-me à internet não me permitiu. Ora, para não cair em ócio, tomei algumas crônicas de autores vários para breve releitura. Esperei contemplar um pouco mais da fluência dos textos de Drummond, Duílio Gomes, Sabino, Rubem Braga e alguns outros; mas deu-se a intempestiva conexão, uma pausa que, para mim, representou um pouco de alívio (enfim não perderia mais um minuto sequer para começar este texto) e desapontamento, por interromper-me as lembranças de crônicas antigas. A sistematização de minha composição tem-me exaurido a criatividade, e procuro, pois, agora, retirar assunto das coisas supérfluas de um domingo rotineiro. A família parou há pouco para assistir ao jogo da seleção brasileira de futebol contra a da Colômbia, e cá estou tentando lembrar-me de mais alguma ocorrência trivial. É certo que hoje acordei um tanto disposto à escrita, mas a sistematização das coisas impede-me a naturalidade; fico até receoso de tornar-me o texto artificial deveras e por definitivo.

O cotidiano ajudou-me um pouco, mas a recorrência ao fictício ainda compõe majoritariamente os meus textos; salvos a esse ataque do ilusório estão os meus desabafos, como este que ainda é um tanto incerto e sem rumo. Quando paro para discutir essa metalinguagem da composição, não minto: é falta de assunto mesmo! Pensei em mil coisas durante a semana, e, prestes a começá-lo e antes das crônicas lidas, tomei um dos livros de redação para procurar uma boa proposta que não fosse dissertativa, talvez uma narrativa, crônica ou qualquer outra, que todas me convêm; pois, assim como muitos dos meus colegas de aulas, estou farto da freqüência com que escrevo dissertações. Ah! Mas boas crônicas, como muitos ratificam, exigem muita vivência, o que ainda não possuo. Ainda espero quem defina realmente uma crônica, pois é dito por grandes nomes como a modalidade residente entre o conto e a poesia, e há ainda, segundo outros, vertentes várias desse tipo que vão da subjetividade do autor à narração semiplástica das coisas, mas que deveras mostra a despreocupação com o rigoroso fenotexto (assim afirmou o próprio Drummond: "... mas a crônica de que estou falando é aquela que não precisa entender de nada ao falar de tudo."). É realmente o que é sempre dito sobre a crônica, a mais libertina filha do jornal: "Se a notícia deve ser sempre objetiva e impessoal, a crônica é subjetiva e pessoal. Se a linguagem jornalística deve ser precisa e enxuta, a crônica é impressionista e lírica...". Nesta vacância de assunto, escuto, neste exato momento, o alarde das crianças correndo na rua e o atordoante latido de meu cachorro por motivo de toda a algazarra. É ferro ter de escrever com tanto barulho! [risos]. Situação irritante e semelhante a esta motivou-me a compor, na última sexta-feira, um poema horrível que ainda está sem título; foi a busca do mais legítimo nonsense em intervalo de dez leveiros minutos de escrita. Quando o leio, torno a rir de toda a sua falta de sentido (é a proposta, claro). Aprecio veementemente quem se vale da composição frívola, a mais transparente comunicação com o leitor. O texto preso ao paletó-e-gravata, como já dissera Drummond, não vale sequer a menor intimidade de quem escreve para com quem o lê; certamente é, e ainda ratifico: é o fruto podre da mais sistemática e artificialmente artificial mente. Comecei este texto com a mais clara intenção de tomar semelhante rumo (as linhas artificiais), mas percebo que, já em suas linhas finais, ele me transformou um pouco da concepção criativa.

(Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

domingo, 14 de outubro de 2007

Poesia: Zé Limeira

"Escrotidão" poética, pornografia versada, distorções históricas poético-delirantes e prenhes de pseudo-nonsense, métrica ilibada, voz trovejante de bardo nordestino, anéis por todos os dedos, poesia pra todos os lados. Seus trajes aberrantes, sua viola, seu matulão pendurado. Esse aí não é ninguém não, é Zé Limeira, o mais mitológico dentre todos os repentistas surgidos no Brasil. Tem gente que até hoje acha que ele nunca existiu. “Vai ver foi um personagem criado pela cabeça fantasiosa de outros repentistas”, diriam os incautos.

O compêndio poético de sua obra só chegou ao conhecimento das novas gerações graças ao abnegado trabalho de pesquisa realizado pelo advogado e escritor Orlando Tejo, que resultou no livro "Zé Limeira, poeta do absurdo". Os dois se conheceram em 1950 e o encontro entre narrador e narrado é assim descrito pelo primeiro: “Foi numa nublada tarde de sábado que ouvi pela primeira vez José Limeira. Cantava em sombrio casarão da Rua Manuel Pereira de Araújo, movimentado centro do baixo meretrício, em Campina Grande. Chamou-me a atenção a dimensão do óculo (sic) exageradamente escuro que, havia 20 anos, inspirara este espirituoso repente de Severino Pinto:

Nestes dias vou fazer/ Como o nosso Zé Limeira:/ Comprar uns óculos escuros

Desses de tolda de feira/ Botar o bicho na cara,/ Sair cantando besteira"

Alcunhado de poeta do absurdo pelas suas construções poéticas verborrágicas e pelos neologismos mais esdrúxulos como pilogamia, filanlumia e filosomia, este paraibano de Teixeira cultivou um surrealismo assertanejado e altamente psicodélico, como confirmam estes versos:

Casemo no ano de 15
Na seca de 23
A mulher era donzela
Viúva de sete mês
Mais não me alembro que tenha
Um dia ficado prenha,/
Estado de gravidez.

Para obter mais informações sobre Zé Limeira, visita esta página: http://www.facom.ufba.br/pexsites/musicanordestina/limeira.htm

Algumas de suas poesias:

Sem título

O meu nome é Zé Limeira
De Lima, Limão , Limansa
As estradas de São Bento
Bezerro de Vaca Mansa
Vala-me, Nossa Senhora
Ai que eu me lembrei agora:
Tão bombardeando a França

Ninguém faça pontaria
Onde o chumbo não alcança
E vou comprá quatro livro
Prá estudá leiturança
Bem que meu pai me dizia:
Jesus , José e Maria,
São João das Orelha mansa

Ainda não tinha visto
Beleza que nem a sua,
De cipó se faz balaio
A beleza continua
Sete-Estrelo, três Maria
Mãe do mato pai da lua

A beleza continua
De cipó se faz balaio
Padre-Nosso, Ave-Maria,
Me pegue senão eu caio
Tá desgraçado o vivente
Que não reza o mês de maio

Sei quando Jesus nasceu,
Num dia de quinta-feira,
Eu fui uma testemunha
Sentado na cabeceira
São José chegou com um facho
De miolo de aroeira

Um dia o Reis Salamão
Dormiu de noite e de dia,
Convidou Napoleão
Pra cantá pilogamia
Viva a Princesa Isabé
Que já morô em Sumé
No tempo da monarquia

Zé Limeira quando canta
Estremece o Cariri
As estrêla trinca os dente
Leão chupa abacaxi
Com trinta dias depois
Estoura a guerra civí

Eu só gosto dessa moça
Porque tem vegetação
Porteira de pau a pique
Três pneus de caminhão
Peido de jumenta ruça
E haja chuva no sertão.

Foi quando Tomé de Souza
Desembarcou na Bahia
Logo no primeiro dia
Passou o pau na esposa
Ligeiro que nem raposa
Comeu na frente e atrás
Depois, na beira do cais
Por onde os navio trafega
Comeu o Padre Nóbrega
Que os anos não trazem mais.

Eu me chamo Zé Limeira,
Cantador que tem ciúme,
Brisa que sopra da Serra,
Fera que chegar do cume,
Brigada só de peixeira,
Mijo de moça solteira
Faca de primeiro gume!

Se tu for na minha casa
Tem capim pro teu cavalo,
Se chegar um filosofo
Eu mando fotografá-lo
Se chegar um fotografo
Eu mando filosofá-lo!

Eu me chamo Zé Limeira
Nascido lá no Tauá
Entre casca de Angico
Miolo de Jatobá
Bico de pato vadio
Picilone, za zá!

Mote: Diz o novo testamento

Minha muié chama Bela
Quando eu vou chegando em casa
O galo canta na brasa,
Cai o texto da panela
Eu fico olhando para ela
Cheio de contentamento
O satanaz num jumento
Pra mordê a Mãe de Deus
Não mordeu ela nem eus
Diz o novo testamento

Eu vi uma gavetinha
Da casa de João Moisés
Mais de cem contos de réis
Só de ovo de galinha
Ela comeu uma tinha
Da carcassa de um jumento
Que bicho má, peçonhento
Lacrau e piôi de cobra
Não pode mais fazer obra,
Diz o novo testamento

Jesus nasceu em Belém,
Conseguiu sair dalí
Passou por Tamataí
Por Guarabira também
Nessa viagem de trem

Foi pará no Entroncamento
Não encontrando aposento
Dormiu na casa do cabo
Jantou cuscus com quiabo
Diz o novo testamento

A Antítese do Sinônimo

Não faz sentido
O sentido da razão
Se minha mãe é minha tia
O meu primo é meu irmão.
Sou meu pai quando filho
Sou o filho tendo um pai
Sou canjica pra ser milho
Tudo sobe quando cai.

Vou te dar dinheiro
Vou agora ser ladrão
O bonzinho traiçoeiro
Virgulino Lampião.
Quando é noite não é dia
Se já é dia claridão
Na penumbra da sombra
Surge o brilho escuridão.

Sou o crime que pratica o réu
Sou o mar que banha o sertão
Sou a doçura amargura do mel
Sou a altura baixa do anão.
Sou o medo destemido
Da pimenta que não arde
Sou a surdez do ouvido
Da coragem do covarde.

Sou uma pessoa pobre
E tenho muito capital
Sou muito mais que nobre
E sou um anti-social.
Tive a idéia que não pensei
Quando esqueci da lembrança
De não pensar eu até lembrei
Que desisti da esperança.

Apocalipse de Zé Limeira

Quem acha que é preciso
O mundo se acabar
Pra ver o povo virar
Teleco-teco na terra
Buliram na atmosfera
Desse sistema solar

Eu vejo que é muito frágil
Pitomba presa num galho
De aroeira parida
Humanidade fundida
No forno quente de belzebu

Eu vejo o apocali-psicologia profunda
De que um dia virá
Um astronauta para me salvar

Pressinto nuvens escuras
Enferrujando armaduras
Um terremoto lunar
O anjo da virgindade
Fará de toda maldade
Um cogumelo solar

Um amuleto divino
No braço do pequenino
Escapulário de luz
Explorador da bondade
Está em cada cidade
Até no brejo da cruz

Eu vejo no apocali-psicologia profunda
De que um dia virá
Um astronauta para me salvar

Versos avulsos:

Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraíba falada,
Cantando nas Escritura,
Saudando o pai da coalhada,
A lua branca alumia,
Jesus, José e Maria,
Três anjos na farinhada.

Jesus foi home de fama
Dentro de Cafarnaum,
Feliz da mesa que tem
Costela de gaiamum,
No sertão do cariri
Vi um casal de siri
Sem comprimisso nenhum.

Napoleão era um
Bom capitão de navio,
Sofria de tosse braba
No tempo que era sadio,
Foi poeta e demagogo,
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio.

É difícil um home moco
Aprendê pirnografia,
Um professor de francês
Honestamente dizia:
Tempo bom era o moderno,
Judas só foi pro inferno
Promode a virgem Maria.

São Pedro na sacristia
Batizou Agamenon,
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califom,
Montado na sua idéia,
Nas ruas da Galiléia
Tocou viola e pistom.

Quando Jesus veio ao mundo
Foi só pra fazê justiça:
Com treze ano de idade
Discutiu com a doutoriça,
Com trinta ano depois,
Sentou praça na puliça.

Saíram lá de Belém
Cristo e Maria José,
Passaram por Nazaré,
Foram Betelelém,
Chupô cana num engem,
Pediu arrancho num brejo,
De noite armuçou um tejo
Lá perto de Piancó,
Na sexta-feira malhô
Foi que Judas vendeu Jésus!

Aonde Limeira canta
O povo não aborrece,
Marrã de onça donzela
Suspira que bucho cresce,
Velha de setenta ano
Cochila que a baba desce!

Carmelita e Carmeluta
É tudo uma coisa só;
Carmeluta é pro chambrego,
Carmelita é pro xodó,
È prato de pirão verde
Com xerém de mocotó.

Um General de Brigada,
Com quarenta grau de febre,
matou um casal de lebre
Prá comê uma buchada...
Quando fez a panelada
Morreu e não logrou dela,
Porco que come em gamela
Prova que ano tem fastio,
Peixe só presta de rio,
Piau de tromba amarela.


Versos avulsos:

Getúlio Vargas morreu
Foi com saudade da esposa,
Lampião inda tá vivo
Morando perto de Sousa
Por detrás do sete-estrelo
tem um casal de raposa.

No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava
Plantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá,
Dom Pedro correu pra Iá,
Escanchado num tratô...
Canta, canta, cantadô
Que seu destino é cantá.

Mais alguns versos avulsos:

No sereno sertão da Palestina
Eu cantava num dia de Finado,
Uma vaca pastava no cercado,
Um macaco comia uma menina
Um sargento chegava numa usina,
Um moleque zarôi vendia pente,
Um cavalo chinês trincava o dente,
Uma zebra corria atrás dum frade...
Quer saber quanto custa uma saudade
Tenha amor, queira bem e viva ausente!

Limeira só canta toada bonita
Pra moça da roça, pra moça da rua...
Braúna, chocalho de noite de lua,
Cardeiro enfeitado de laço de fita.
Carroça vestindo camisa de chita,
Novena na casa do Sítio Tauá,
Porteira, cancela, vereda, jucá,
Mutuca, facheiro, valado, pagode,
A cabra rodando na pimba do bode,
Cantando galope na beira do má".

(fonte: Música Nordestina e Jornal de Poesia)

Comentário: Caso queiras mais informações sobre Zé Limeira e sua obra, há ainda esta página do poeta Orlando Tejo:

http://www.revista.agulha.nom.br/otejo.html.

Conto: Um braço de mulher

Um braço de mulher

Rubem Braga

Subi ao avião com indiferença, e como o dia não estava bonito, lancei apenas um olhar distraído a essa cidade do Rio de Janeiro e mergulhei na leitura de um jornal. Depois fiquei a olhar pela janela e não via mais que nuvens, e feias. Na verdade, não estava no céu; pensava coisas da terra, minhas pobres, pequenas coisas. Uma aborrecida sonolência foi me dominando, até que uma senhora nervosa ao meu lado disse que "nós não podemos descer!". O avião já havia chegado a São Paulo, mas estava fazendo sua ronda dentro de um nevoeiro fechado, à espera de ordem para pousar. Procurei acalmar a senhora.

Ela estava tão aflita que embora fizesse frio se abanava com uma revista. Tentei convencê-la de que não devia se abanar, mas acabei achando que era melhor que o fizesse. Ela precisava fazer alguma coisa, e a única providência que aparentemente podia tomar naquele momento de medo era se abanar. Ofereci-lhe meu jornal dobrado, no lugar da revista, e ficou muito grata, como se acreditasse que, produzindo mais vento, adquirisse maior eficiência na sua luta contra a morte.

Gastei cerca de meia hora com a aflição daquela senhora. Notando que uma sua amiga estava em outra poltrona, ofereci-me para trocar de lugar, e ela aceitou. Mas esperei inutilmente que recolhesse as pernas para que eu pudesse sair de meu lugar junto à janela; acabou confessando que assim mesmo estava bem, e preferia ter um homem — "o senhor" — ao lado. Isto lisonjeou meu orgulho de cavalheiro: senti-me útil e responsável. Era por estar ali eu, um homem, que aquele avião não ousava cair. Havia certamente piloto e co-piloto e vários homens no avião. Mas eu era o homem ao lado, o homem visível, próximo, que ela podia tocar. E era nisso que ela confiava: nesse ser de casimira grossa, de gravata, de bigode, a cujo braço acabou se agarrando. Não era o meu braço que apertava, mas um braço de homem, ser de misteriosos atributos de força e proteção.

Chamei a aeromoça, que tentou acalmar a senhora com biscoitos, chicles, cafezinho, palavras de conforto, mão no ombro, algodão nos ouvidos, e uma voz suave e firme que às vezes continha uma leve repreensão e às vezes se entremeava de um sorriso que sem dúvida faz parte do regulamento da aeronáutica civil, o chamado sorriso para ocasiões de teto baixo.

Mas de que vale uma aeromoça? Ela não é muito convincente; é uma funcionária. A senhora evidentemente a considerava uma espécie de cúmplice do avião e da empresa e no fundo (pelo ressentimento com que reagia às suas palavras) responsável por aquele nevoeiro perigoso. A moça em uniforme estava sem dúvida lhe escondendo a verdade e dizendo palavras hipócritas para que ela se deixasse matar sem reagir.

A única pessoa de confiança era evidentemente eu: e aquela senhora, que no aeroporto tinha certo ar desdenhoso e solene, disse suas malcriações para a aeromoça e se agarrou definitivamente a mim. Animei-me então a pôr a minha mão direita sobre a sua mão, que me apertava o braço. Esse gesto de carinho protetor teve um efeito completo: ela deu um profundo suspiro de alívio, cerrou os olhos, pendeu a cabeça ligeiramente para o meu lado e ficou imóvel, quieta. Era claro que a minha mão a protegia contra tudo e contra todos, estava como adormecida.

O avião continuava a rodar monotonamente dentro de uma nuvem escura; quando ele dava um salto mais brusco, eu fornecia à pobre senhora uma garantia suplementar apertando ligeiramente a minha mão sobre a sua: isto sem dúvida lhe fazia bem.

Voltei a olhar tristemente pela vidraça; via a asa direita, um pouco levantada, no meio do nevoeiro. Como a senhora não me desse mais trabalho, e o tempo fosse passando, recomecei a pensar em mim mesmo, triste e fraco assunto.

E de repente me veio a idéia de que na verdade não podíamos ficar eternamente com aquele motor roncando no meio do nevoeiro - e de que eu podia morrer.
Estávamos há muito tempo sobre São Paulo. Talvez chovesse lá embaixo; de qualquer modo a grande cidade, invisível e tão próxima, vivia sua vida indiferente àquele ridículo grupo de homens e mulheres presos dentro de um avião, ali no alto. Pensei em São Paulo e no rapaz de vinte anos que chegou com trinta mil-réis no bolso uma noite e saiu andando pelo antigo viaduto do Chá, sem conhecer uma só pessoa na cidade estranha. Nem aquele velho viaduto existe mais, e o aventuroso rapaz de vinte anos, calado e lírico, é um triste senhor que olha o nevoeiro e pensa na morte.

Outras lembranças me vieram, e me ocorreu que na hora da morte, segundo dizem, a gente se lembra de uma porção de coisas antigas, doces ou tristes. Mas a visão monótona daquela asa no meio da nuvem me dava um torpor, e não pensei mais nada. Era como se o mundo atrás daquele nevoeiro não existisse mais, e por isto pouco me importava morrer. Talvez fosse até bom sentir um choque brutal e tudo se acabar. A morte devia ser aquilo mesmo, um nevoeiro imenso, sem cor, sem forma, para sempre.

Senti prazer em pensar que agora não haveria mais nada, que não seria mais preciso sentir, nem reagir, nem providenciar, nem me torturar; que todas as coisas e criaturas que tinham poder sobre mim e mandavam na minha alegria ou na minha aflição haviam-se apagado e dissolvido naquele mundo de nevoeiro.

A senhora sobressaltou-se de repente e muito aflita começou a me fazer perguntas. O avião estava descendo mais e mais e entretanto não se conseguia enxergar coisa alguma. O motor parecia estar com um som diferente: podia ser aquele o último e desesperado tredo ronco do minuto antes de morrer arrebentado e retorcido. A senhora estendeu o braço direito, segurando 0 encosto da poltrona da frente, e então me dei conta de que aquela mulher de cara um pouco magra e dura tinha um belo braço, harmonioso e musculado.

Fiquei a olhá-lo devagar, desde o ombro forte e suave até as mãos de dedos longos. E me veio uma saudade extraordinária da terra, da beleza humana, da empolgante e longa tonteira do amor. Eu não queria mais morrer, e a idéia da morte me pareceu tão errada, tão feia, tão absurda, que me sobressaltei. A morte era uma coisa cinzenta, escura, sem a graça, sem a delicadeza e o calor, a força macia de um braço ou de uma coxa, a suave irradiação da pele de um corpo de mulher moça.

Mãos, cabelos, corpo, músculos, seios, extraordinário milagre de coisas suaves e sensíveis, tépidas, feitas para serem infinitamente amadas. Toda a fascinação da vida me golpeou, uma tão profunda delícia e gosto de viver uma tão ardente e comovida saudade, que retesei os músculos do corpo, estiquei as pernas, senti um leve ardor nos olhos. Não devia morrer! Aquele meu torpor de segundos atrás pareceu-me de súbito uma coisa doentia, viciosa, e ergui a cabeça, olhei em volta, para os outros passageiros, como se me dispusesse afinal a tomar alguma providência.

Meu gesto pareceu inquietar a senhora. Mas olhando novamente para a vidraça adivinhei casas, um quadrado verde, um pedaço de terra avermelhada, através de um véu de neblina mais rala. Foi uma visão rápida, logo perdida no nevoeiro denso, mas me deu uma certeza profunda de que estávamos salvos porque a terra existia, não era um sonho distante, o mundo não era apenas nevoeiro e havia realmente tudo o que há, casas, árvores, pessoas, chão, o bom chão sólido, imóvel, onde se pode deitar, onde se pode dormir seguro e em todo o sossego, onde um homem pode premer o corpo de uma mulher para amá-la com força, com toda sua fúria de prazer e todos os seus sentidos, com apoio no mundo.

No aeroporto, quando esperava a bagagem, vi de perto a minha vizinha de poltrona. Estava com um senhor de óculos, que, com um talão de despacho na mão, pedia que lhe entregassem a maleta. Ela disse alguma coisa a esse homem, e ele se aproximou de mim com um olhar inquiridor que tentava ser cordial. Estivera muito tempo esperando; a princípio disseram que o avião ia descer logo, era questão de ficar livre a pista; depois alguém anunciara que todos os aviões tinham recebido ordem de pousar em Campinas ou em outro campo; e imaginava quanto incômodo me dera sua senhora, sempre muito nervosa. "Ora, não senhor." Ele se despediu sem me estender a mão, como se, com aqueles agradecimentos, que fora constrangido pelas circunstâncias a fazer, acabasse de cumprir uma formalidade desagradável com relação a um estranho - que devia permanecer um estranho.

Um estranho — e de certo ponto de vista um intruso, foi assim que me senti perante aquele homem de cara desagradável. Tive a impressão de que de certo modo o traíra, e de que ele o sentia.

Quando se retiravam, a senhora me deu um pequeno sorriso. Tenho uma tendência romântica a imaginar coisas, e imaginei que ela teve o cuidado de me sorrir quando o homem não podia notá-lo, um sorriso sem o visto marital, vagamente cúmplice. Certamente nunca mais a verei, nem o espero. Mas o seu belo braço foi um instante para mim a própria imagem da vida, e não o esquecerei depressa.


O texto acima foi publicado no livro “Os melhores contos – Rubem Braga”, seleção de Davi Arrigucci Jr., Global Editora – São Paulo, e selecionado por Ítalo Moriconi para compor o livro “Os cem melhores contos brasileiros do século”, Editora Objetiva – Rio de Janeiro, 2000, pág. 169.

(fonte: releituras.com)

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

M.C. Escher

Maurits Cornelis Escher ou M. C. Escher (Leeuwarden, 17 de Junho de 1898 - Hilversum, 27 de Março de 1972) foi um artista gráfico holandês conhecido pelas suas xilogravuras, litografias e meios-tons (mezzotints), que tendem a representar construções impossíveis, preenchimento regular do plano, explorações do infinito e as metamorfoses - padrões geométricos entrecruzados que se transformam gradualmente para formas completamente diferentes.

Biografia

Escher era o filho mais novo do engenheiro civil chamado George Arnold Escher e de sua segunda esposa Sarah Gleichman. Em 1903, a família muda-se para Arnhem, Países Baixos, onde Escher pratica lições de carpintaria e piano até os treze anos.

Ele freqüentava a Escola de Arquitetura e Artes Decorativas, onde começou a estudar arquitetura e, mais tarde, artes decorativas. Em 1922 deixou a escola para se juntar a Samuel Jessurun de Mesquita, que o iniciava nas técnicas da gravura, se dedicando ao desenho, litografia e xilogravura.

Obra

Uma das principais contribuições da obra deste artista está em sua capacidade de gerar imagens com impressionantes efeitos de ilusões de óptica, com notável qualidade técnica e estética, tudo isto, respeitando as regras geométricas do desenho e da perspectiva.

Foi numa visita à Alhambra, na Espanha, que o artista conheceu e se encantou pelos mosaicos que haviam nas mesquitas do lugar, herança das invasões árabes do passado. Escher achou muito interessante as formas como cada figura se entrelaçava a outra e se repetia, formando belos padrões geométricos. Este foi o ponto de partida para os seus trabalhos mais impressionantes e famosos, que consistiam no preenchimento regular do plano, normalmente utilizando imagens figurativas e não geométricas, como os árabes faziam por causa da sua religião muçulmana, que proíbe tais representações.

A partir de uma malha de polígonos, regulares ou não, Escher fazia mudanças, mas sem alterar a área do polígono original. Assim surgiam figuras de homens, peixes, aves, lagartos, todos envolvidos de tal forma que nenhum poderia mais se mexer. Tudo representado num plano bidimensional.

Destacam-se também os trabalhos do artista que exploram o espaço. Escher brincava com o fato de ter que representar o espaço, que é tridimensional, num plano bidimensional, como a folha de papel. Com isto ele criava figuras impossíveis, representações distorcidas, paradoxos.

Referências na cultura popular

  • Matt Groening, criador de Os Simpsons, utilizou uma referência à Escher em sua tira Life in Hell. Em sua paródia à obra Relativity, coelhos desenhados caem de escadas em ângulos impossíveis. Groening posteriormente usou a mesma situação cômica em um episódio de Futurama. Quando jovem, o autor costumava colecionar pôsteres de Escher.
  • Um episódio de Os Padrinhos Mágicos mostra em seu título um design similar à obra Drawing Hands.
  • Em um episódio de Family Guy, Stewie e Brian compartilham um quarto no qual Stewie coloca na parede uma gravura de Relativity, o qual ele chama escadas loucas. Ele então a quebra enquanto joga frisbee.
  • A fase bônus do jogo Sonic, do Sega Mega Drive, contém uma animação de pássaros se transformando em peixes, uma clara referência à Sky and Water.
  • O jogo Lemmings, da produtora Psygnosis, possui um nível chamado Tributo a M.C. Escher, ainda que ele não apresente um cenário ao estilo do autor.
  • A figura de um grande olho com uma caveira em sua íris aparece na parede do quarto de Donnie Darko.
  • O videoclipe da canção Around the World, do grupo Daft Punk, dirigido por Michel Gondry, é baseado na obra Encounter.
  • O videoclipe da música Drive, do grupo Incubus, é baseado em Drawing Hands, começando com uma mão animada desenhando um pedaço de papel e uma segunda mão, para então formar a própria obra de Escher. Também mostra a mão desenhando o vocalista da banda Brandon Boyd.
  • No filme "Labirinth" (Labirinto - A Magia do Tempo), com David Bowie no papel principal (Jareth), há uma cena nítidamente inspirada em "Relativity", de 1953.

Algumas obras:

Animals Another World III Ascending and Descending
Hand with Reflecting Sphere Hall City Hell
Relativity Waterfall Heaven and Hell
Hall City Reptiles Gravity
Eye Eight Heads Dream
Drawing Hands Double Planetoid Day and Night
 
 
(fontes: texto de wikipedia.org e imagens de mcescher.net)

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Sputnik: 50 anos de Era Espacial

A história contemporânea mudou no dia 4 de outubro de 1957. Naquele dia, a humanidade perplexa e encantada tomava conhecimento de que a Lua não era mais nosso único satélite, e que uma pequena esfera de 50 centímetros de diâmetro, também, girava ao redor da Terra. E mais que isso, podia ser ouvida, emitindo o "beep" mais famoso da história.

Exatamente no dia 4 de outubro de 1957, a antiga União Soviética lançava o primeiro satélite artificial da história, o Sputnik, e dava início à Era Espacial.

O lançamento do Sputnik (que significa "companheiro" em russo) e sua colocação em órbita representam um monumento à inteligência humana e confirmaram as diversas bases teóricas necessárias à operação, desde as formulações de Isaac Newton, no século 17, até os cálculos e experimentos do russo Konstantin Tsiolkovsky, considerado o "pai dos foguetes", e do norte-americano Robert Goddard, no início do século 20.

Ano Geofísico Internacional
A história do "Companheiro" tem início no ano de 1952, quando uma comissão internacional decidiu estabelecer o chamado "Ano Geofísico Internacional", de 1 de julho de 1957 a 31 de dezembro de 1958. Em 1954 a mesma comissão conclamou as nações envolvidas a não medirem esforços para colocação de um satélite em órbita da Terra, com a função de mapear o planeta.

O Ano Geofísico Internacional - AGY - coincidiu com o período de máxima atividade solar. Na ocasião milhares de cientistas em mais de 67 países trabalharam em conjunto, realizando uma grande variedade de experimentos e observações, partilhando dados e resultados. O período marca uma das maiores séries de descobertas das características da Terra e do espaço, incluindo os Cinturões de Radiação de Van Allen.

O objetivo principal era o estudo da meteorologia, geomagnetismo, sismologia, oceanografia, radiação cósmica, ionosfera, glaciologia, paleoclimatologia, além de pesquisas biológicas e geológicas.

Apesar da boa intenção do Ano Geofísico Internacional, não se pode esquecer que naquela ocasião o mundo era divido em praticamente dois blocos inimigos. De um lado, a União Soviética e os países alinhados se fechavam em um bloco conhecido como "Cortina de Ferro", do outro lado, tendo os norte-americanos como principal expoente, estava o chamado de "Mundo Livre".

Do lado dos EUA, o governo do Presidente Eisenhower anunciou, em 1955, que a nação colocaria em órbita um satélite artificial, e determinou ao Laboratório de Pesquisa Naval Vanguard que representasse os americanos junto ao projeto do Ano Geofísico Internacional.

Do lado dos russos, a história do Sputnik mescla-se com a determinação quase fanática do principal cientista do projeto, o engenheiro russo Sergei Korolev, mais tarde levado ao posto de engenheiro-chefe do programa espacial soviético pelo então líder Nikita Khrushchev.

Corrida Espacial
A colocação em órbita do Sputnik, antes dos americanos, pegou as nações do "Mundo Livre" de surpresa. Os Estados Unidos sentiram o golpe e ficaram chocados. O feito demonstrava que os "temíveis comunistas" tinham capacidade de dominar o espaço, e pior que isso, eram capazes de despejar mísseis e bombas sobre a cabeça de qualquer cidadão do "Mundo Livre".

Para piorar a situação, o terrível Sputnik, que dava uma volta ao redor do mundo a cada 90 minutos, podia ser ouvido por qualquer mortal, emitindo seu assustador beep na freqüência de 20 Mhz. A escolha dessa freqüência não foi por acaso e de acordo com alguns analistas, teve dois motivos. 20 Mhz era, e ainda é, uma freqüência próxima da grande maioria das estações de radiodifusão de ondas curtas, que na época eram muito ouvidas. Além disso, podia ser captada por radioamadores, ansiosos em acompanhar o movimento do satélite. De uma só vez, os russos diziam ao mundo que estavam por perto e ao mesmo tempo contavam com uma grande rede de interessados em telecomunicações, que podia, sem nenhum custo, fornecer valiosas informações sobre a posição do satélite e propagação de sinais.

Ouça o beep do Sputnik

O mundo estava impressionado e nem bem tinha se recuperado quando veio o segundo golpe. No dia 3 de novembro os russos lançavam outro satélite, o Sputnik-2, com o primeiro ser vivo a bordo, a cadela Kudriavka, da raça laika.

Em curto espaço de tempo, os russos mostraram que era possível colocar em órbita um satélite artificial e mais importante ainda, que era possível colocar seres vivos no espaço. Os americanos precisam reagir. Até onde os russos iriam? O mundo, segundo eles, estava em perigo. Estava declarada a Corrida Espacial.

Fotos: No topo, o satélite Sputnik, de 58.5 centímetros de diâmetro e 83.6 quilos de peso. Na sequencia, cena do lançamento do Sputnik, que pode ser acompanhado no Apolochannel . Acima, a cadela Kudriavka, da raça laika, o primeiro ser vivo a ir ao espaço.

Leia também:

  • Sputnik: 50 anos de Era Espacial - Parte 1
  • Sputnik: 50 anos de Era Espacial - Parte 2
  • Sputnik: 50 anos de Era Espacial - Parte 3
  • Sputnik: 50 anos de Era Espacial - Parte 4
  • Vídeo: lançamento do Sputnik-1
  • Áudio: ouça o beep do Sputnik

    (fonte: apolo11.com)

  • domingo, 30 de setembro de 2007

    Crônica: Saudades…

    Lembro-me muito pouco da saudade que senti por muitas coisas que tive, pois prefiro tê-la por ocasiões, pessoas e lugares. Força que, muitas vezes, é carregada no inconsciente, a saudade sofre a constante platitude dos termos vulgarizados. A mais latente e que menos demonstro é a da infância, um tempo bom. São muitas as minhas histórias, mas a que mais me impressiona é a da primeira consciência da morte. Tinha quatro ou cinco anos e morava ainda no Brejo Grande (distrito de Santana do Cariri), quando parei para imaginá-la, sob obnóxia face corvina, como ave que surgia em meus sonhos. Vinha por detrás de morro que sustentava uma casa solitária em chamas, manchava a noite com velocidade e vermelhidão, e por fim desaparecia; acordava, então, assustado com aquele pesadelo que se repetira por várias noites de minha meninice. Era terrível ter de assistir a toda aquela cena novamente, uma inevitável chaga noturna. Não a notava personificada, nem mesmo a sabia definir precisamente, mas sentia todos os pecados do mundo em seu gesto rápido e áspero de abrir as asas e alçar vôo. Lembro-me, quase como uma pintura, da figura disforme, uma mancha rubra, pintada por seu contorno falho de ave infernal. Era freqüente acordar banhado de suor, com falta de ar terrível e com aquela imagem atordoante em mente. Por sinal, a dispnéia acompanhou-me por muito tempo de puerícia.

    Quando vim morar no Crato, a recorrência da morte apareceu-me mais clara. Um pouco mais esperto, passei a refletir (quem diria que um menino tomaria instante para isso?) sobre a sua inevitabilidade; foi, com toda certeza, um momento de profunda tristeza: conhecer o destino de qualquer vivente, "abandonar" tudo e partir a algum canto desconhecido. Foi nessa ocasião que me meteram na cabeça alguma religião, e assimilei inicialmente a que era mais propagada em minha família e em muitas outras no Brasil: o Catolicismo. As muitas inquietudes infantis logo trataram de afastar-me de tais pensamentos, e acabei apreendendo a morte.

    Tive muitas saudades, que são agora ultrapassadas e motivo de meu riso íntimo. Lembro-me de quando deixei a minha primeira escola, a Fundação Educacional Presbiteriana Prof. Natanael Cortez, para cursar, a partir da quinta série do fundamental, o resto do meu ensino no Colégio Objetivo. Nessa época, sentia uma saudade enorme daquela escola que era vestida em modelo religioso, como o nome aponta. O convívio com novas amizades e um novo modelo de ensino logo arrefeceu qualquer vestígio da saudade ordinária. A partir de então, ela tornou-se sentimento passadiço, curtas lembranças saudáveis do vivido. Concluí, há pouco, o ensino médio, e tratei de jugular a iminente lembrança de uma turma que estava prestes a tornar-se saudade. Por aprendizado anterior, essas e outras lembranças tornaram-se deveras, em minha memória, figuras vivas, coloridas, algumas pictóricas, mas que, acima de tudo, não são nada além de boas recordações.

    (Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

    Obs.: Texto de domingo quente e seco, esta cidade está assim nestes dias. Ainda tenho de preparar uma redação, uma crônica, para ser corrigida nesta quarta-feira, sobre saudade (tema sugestivo e de grande amplitude), sentimento coletivo, de natureza comum aos brasileiros, que, cônscios de seu poder, constroem suas histórias de vida e valem-se de suas saudades. Acabei escrevendo este texto, fruto de vontade intempestiva. Estava eu navegando pela Internet, quando entrei a escrevê-lo, quase que inconscientemente do início dessa ação.

    sábado, 29 de setembro de 2007

    Crônica: A Última Crônica

    A Última Crônica

    Fernando Sabino

    A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

    Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

    Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

    São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

    Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

    Crônica publicada no livro "A Companheira de viagem" (Editora Record, 1965)

    (fonte: almacarioca.com.br)

    segunda-feira, 24 de setembro de 2007

    Crônica: Crônica rápida, pois o tempo é curto e viperino!

    Costumo andar pelas ruas desta grande cidade imaginária, que é constuída e demolida, a cada dia, pelo tempo cruel. Como, bebo, falo e, enfim, vivo o tempo dos homens que correm, crescem, caem e explodem. A agitação dos meus avós, quando jovens, era tempo de eleição ou chegada de circo, mas agora o sono é coisa rara, a reflexão brota de fontes escassas; são privilégios de quem possui dinheiro. Ainda bem que eles, meus avós, já morreram em calmaria, pois teriam morte mais cruel em tempos hodiernos.

    Eu, quando estou indo à faculdade, também corro, mas para não ser pisoteado. É a hora do encilhamento! É corrida de rota traçada, o modelo automático, às sete horas matinais. Não encontro amigos nesse enxame, pois há horas, minutos e segundos reservados para eles. Às vezes, paro, quando ainda rezo e preparo o meu pouco sono, e percebo as crueldades do tempo, que nos lassa o corpo e só nos mostra a sua corrupção em tal momento. Ah! Lembrei que assim dizia meu avô: "O sono, meu neto, é o protótipo da morte". Só agora percebo que, contrariando-o, vivo apenas aos domingos e enquanto durmo, e ele assim falava, pois cedo madrugava. Aos domingos, quando tenho uma eternidade azul à minha espera, enlatada em poucas horas, sinto-me ausente das responsabilidades da semana e procuro jornais velhos (ora! todos os jornais são velhos!), escritos que me façam ir contra o tempo; é momento de anarquia pessoal à semana morta, cujo réu confesso é o odioso deus Cronos. A liberdade que, longe do vento efêmero trespassando as ruas, mostra-me agora o momento da escrita, o velho álbum de família e os antigos contos de meu avô, que, com eterna calma, tomava o seu café, enquanto os escrevia (Oh! grande presente deixou-me, esses contos amarelos); assim não mais fará daqui a algumas horas. Surge, então, o meu desespero, que é ver a minha quase mãe despedir-se serena e triste, em noite moribunda; é a partida do meu afago, de minha paz e de mim mesmo.

    (Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

    Obs: Escrevo os outros que me visitam a mente, roubam-me o tempo e abastecem-me o repertório narrativo, não só para esta crônica, que é fruto de um limite de 30 linhas em folha de redação, mas para as futuras que serão maiores, mais livres e mais reveladoras. Lembro-vos que não há semelhança alguma entre esses outros que vos conto e mim. Quem sabe, quando estiver mais maduro, escreverei sobre minha infância, minhas traquinagens e outras coisas que presenciei. Penso ainda em escrever sobre meu pai e as histórias de sua infância. Sou ainda muito jovem e tenho, pois, de viver muito para compor melhor meu repertório. Um abraço deste que vos escreve, e agradeço-te, leitor acidental, que topou com este blogue e passou a odiá-lo ou a estimá-lo.

    sexta-feira, 14 de setembro de 2007

    Pedra do Reino, mais sobre Messianismo.

    Antonio Carlos Olivieri*
    Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

    Homenagem aos 80 anos de Ariano Suassuna, que se completam a 16 de junho de 2007, a microssérie "Pedra do Reino" que estreou na Rede Globo no dia 12 de junho, nos remete a dois episódios históricos extraordinários, que não devem ficar subentendidos nas entrelinhas da trama do espetáculo televisivo.

    O primeiro deles, diretamente ligado ao seriado, aconteceu entre 1835 e 1838, no sertão de Pernambuco, em região que atualmente pertence ao município de São José de Belmonte, a 479 quilômetros de Recife. Lá se erguem dois pináculos rochosos paralelos, com cerca de cinco metros de altura, incrustados de minérios que refletem a luz do Sol.

    Sobre estes fatos, não só Suassuna escreveu essa obra-prima que é "O Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai e Volta". Além dele, Euclides da Cunha também faz menção ao fato em "Os Sertões", bem como José Lins do Rego dedicou um romance ao tema, intitulado "Pedra Bonita".

    Dom Sebastião, o Desejado

    Mas os fatos trágicos e sangrentos que aconteceram na Pedra Bonita, no século 19, estão ligados a outros, não menos trágicos e sangrentos, que ocorreram em Portugal e no Marrocos, no século 16. Estes deram origem a um fenômeno mitológico-religioso chamado sebastianismo, um messianismo lusitano, que também se arraigou no sertão nordestino desde a época da Colônia.

    Grosso modo, messianismo é a crença na vinda de um messias, de um redentor, que vai redimir os homens de seus pecados e conduzi-los a um outro reino ou mundo, onde a felicidade prevalece. O messianismo sebastianista foi gerado a partir de diversas circunstâncias históricas.

    Governado por dom João 3º., o rei que deu início à colonização do Brasil, Portugal corria o risco de ver seu trono parar nas mãos de um espanhol, caso o monarca não deixasse um sucessor ou herdeiro. O nascimento de um neto de dom João - dom Sebastião - em 1554 resolveu temporariamente o problema.
    Ainda antes de nascer, dom Sebastião se tornou conhecido por "o Desejado", uma vez que personificava o desejo coletivo de independência portuguesa. Aos três anos foi aclamado rei de Portugal, embora o governo propriamente dito ficasse nas mãos de um regente, até que ele atingiu os 14 anos e subiu ao trono.

    Ascenção aos céus e o Quinto Império

    Entre outros presentes que recebeu, então, ganhou de um poeta uma singela obra que lhe foi dedicada: nada menos que a maior epopéia da língua portuguesa, "Os Lusíadas", que Luís de Camões lhe ofertou. Mas nem tudo foi esplendor na vida de dom Sebastião. Profundamente religioso, animado pelas histórias heróicas de combate contra os muçulmanos, o jovem soberano resolveu conquistar o Marrocos para a cristandade.

    Na batalha de Alcácer-Quibir, contra os mouros, em 1578, foi morto com a maioria das tropas lusitanas. Para os portugueses o trauma foi enorme, até porque, dois anos depois, o trono luso passaria às mãos do rei Felipe 2º. da Espanha. A reação da nação lusitana aos fatos se deu no nível do imaginário e nasceu um mito.

    Segundo a lenda, em meio ao caos da batalha no Marrocos, os céus se abriram e uma legião de anjos levou dom Sebastião para o lado de Deus, de onde ele haveria de retornar, como redentor do povo português. O Quinto Império - reinado mítico de dom Sebastião - se caracterizaria pela justiça e a fartura.

    O monarca no Nordesde

    Pois bem, esse mito foi trazido pelos colonizadores ao Nordeste do Brasil e também comoveu os habitantes da região, uma vez que, como Portugal, a colônia brasileira permaneceu sob domínio espanhol até 1640.

    As manifestações coletivas do sebastianismo em solo brasileiro, porém, só aconteceriam no século 19, em Pernambuco e na Bahia. Foram os episódios do Rodeador, no atual município de Bonito (PE), em 1819, o Reino da Pedra Bonita, já mencionado no início, e a Guerra de Canudos, de 1897-98.

    Todos eles são manifestações de religiosidade e de insatisfação social de populações carentes, e tiveram desfecho trágico, com a intervenção do governo para acabar - a bala - com os agrupamentos que se formaram em torno dos "profetas" sertanejos. Na impossibilidade de comentar cada um deles, relate-se o caso de Pedra Bonita.

    Sebastianismo caboclo

    Em 1836, o mameluco João Antônio dos Santos passou a pregar que dom Sebastião estava encantado na Pedra Bonita, de onde era necessário libertá-lo, para que ele implantasse um reino de justiça, prosperidade e liberdade no sertão. Supõe-se que Santos não acreditava muito no que dizia e se aproveitava da credulidade da população local.

    No entanto, o "reino" de João Antônio incomodou os fazendeiros, que perdiam seus trabalhadores para a Pedra Bonita, e a Igreja, que via a manifestação como blasfêmia. João Antônio fugiu do local e "exilou-se" no Ceará. Mas manteve viva a chama do sebastianismo em Pedra Bonita, por meio de seu cunhado João Ferreira.

    Ao contrário de seu antecessor, Ferreira era um fanático, além de maníaco sexual. Para se ter uma idéia, todas as noivas de sua comunidade tinham que dormir com ele na primeira noite antes de casar-se. Ferreira, ademais, já era um polígamo consumado, tendo se casado com sete mulheres.

    O delírio místico do auto-intitulado rei João Ferreira teve seu ápice quando ele proclamou que a Pedra só se desencantaria quando lavada por sangue. Os sacrificados ressuscitariam poderosos e imortais. A noção de fanatismo é suficientemente conhecida em nossa era de homens-bomba. Fanáticos não hesitam em dar a vida por suas crenças.

    Sangue e fogo

    O pai de João Ferreira foi o primeiro a se suicidar. Uma das mulheres do líder foi degolada por ele mesmo. A Pedra foi, de fato, lavada com sangue, mas não se desencantou. Foi o que bastou para Pedro Antônio, um cunhado de Ferreira, declarar que a Pedra reclamava o sacrifico do próprio rei. João Ferreira foi brutalmente assassinado pelos seus seguidores e Pedro Antônio proclamou-se o novo rei.

    Contudo, um vaqueiro que presenciara os primeiros sacrifícios denunciou a tragédia às autoridades e uma tropa de 30 homens, comandada pelo major Manuel Pereira da Silva, dirigiu-se ao local para dispersar os fanáticos. Houve resistência e 30 fanáticos morreram, inclusive Pedro Antônio. Era o fim do Reino da Pedra Bonita, em maio de 1838.

    A crença em dom Sebastião, entretanto, sobreviveu e se manifestaria nas pregações de Antônio Conselheiro, cerca de 40 anos depois. Seitas messiânicas, embora não sebastianistas, estiveram presentes em outras épocas e regiões tanto do Brasil quando do mundo. É célebre o caso do missionário norte-americano Jim Jones que, em 1978, levou 900 seguidores seus ao suicídio, numa comunidade na Guiana Francesa.

    Em 1993, nos Estados Unidos, David Koresh, que se intitulava a reencarnação de Jesus, promoveu um verdadeiro inferno no rancho de madeira, onde ficava a seita Branch Davidian. Seduzindo os seguidores com a filosofia de que deveriam morrer para depois ressuscitar das cinzas, derramou combustível no rancho e ateou fogo, matando 80 pessoas, incluindo 18 crianças.

    *Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação. olivieri@pagina3ped.com

    (fonte: vestibular.uol.com.br)

    segunda-feira, 10 de setembro de 2007

    Nova técnica cirúrgica melhora vida de pacientes com câncer de pescoço

    Por Fábio Reynol

    29/08/2007

    Uma nova técnica cirúrgica desenvolvida por médicos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) vem mudando o pós-operatório de pacientes com câncer na região da cabeça e do pescoço. Chamada de linfonodo sentinela, a nova cirurgia vem sendo desenvolvida desde o ano 2000 pela equipe do otorrinolaringologista Carlos Takahiro Chone. Após quase sete anos de pesquisa, a eficácia foi comprovada em 95% dos casos. Bem menos agressiva que o chamado esvaziamento cervical, a nova técnica retira somente os gânglios afetados pelo tumor. O grande desafio dos pesquisadores foi desenvolver um método para determinar quais seriam esses gânglios.

    Células cancerosas são naturalmente drenadas pelo sistema linfático e acabam afetando os gânglios em que são depositadas. Como o cirurgião de cabeça e pescoço não tinha condições de determinar quais eram os acometidos, o tratamento exigia a retirada de muitos dos gânglios da região. A solução encontrada pela equipe de Chone foi adaptar uma técnica já empregada em cirurgias de câncer de mama e de melanoma. Uma substância radioativa, o tecnésio, é injetada diretamente no tumor, sendo drenado naturalmente para os gânglios ligados à região cancerosa. Uma sonda (gamma probe) é então colocada sobre a pele do pescoço do paciente. “Ela detecta o material radioativo e indica a localização dos gânglios que devem ser retirados”, explica o médico.

    Ao possibilitar cortes bem menores e evitar a retirada de vários gânglios, a nova cirurgia é bem menos invasiva e, por isso, reduz o risco de infecções. Além disso, a técnica traz vantagens econômicas, resultado das cirurgias mais rápidas e o menor tempo de internação. Essa vantagem ajudou a nova cirurgia a ser incluída na cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS).

    O atual objetivo da equipe, única no mundo a utilizar a linfonodo sentinela, é divulgá-la. O grupo, formado pelo otorrinolaringologista Agrício Crespo, pela patologista, Albina Altemani, pelos médicos nucleares Elba Etchebehere e Edvaldo Camargo, além do próprio Chone, vai promover um curso no fim de outubro na Unicamp voltado para cirurgiões dessa área.

    A incidência dos tumores de boca e garganta está em terceiro lugar na população masculina brasileira, ficando atrás somente dos cânceres de próstata e de pulmão, respectivamente. Devido principalmente ao cigarro, esses tumores atingem cerca de 25 mil pessoas a cada ano no Brasil. Uma população que pode ganhar qualidade de vida com a nova técnica.

    (fonte: comciencia.br)

    sábado, 1 de setembro de 2007

    Crônica: Adotam-se animais racionais.

    Às manhãs, acumulo jornais surrados sobre uma escrivaninha, que, já corroída por cupins, sustenta muitas das histórias que leio e outras que escrevo. Hoje, fui acordado por raios de sol, que, como punhais de fogo, cingiram-me o corpo lasso de longa noite de trabalho; pois esquecera a janela do apartamento bem aberta. Que loucura! Que perigo! Pensei assim, a priori, sobre o acontecido, mas logo me acalmei devido a certeza de não ser roubado facilmente, por não haver também o que ser roubado. Outra surpresa acotovelou-me a vista, que ainda buscava prumo da fadiga latente de noite mal dormida; era um tipo canino taciturno que me olhava fixamente, como sofresse espécie de hipnose. O ser parecia julgar-me os movimentos, e, paulatinamente, fui-me recordando da compra deste animal, em noite anterior.

    Como de praxe matinal, tomei lugar na escrivaninha e entrei a ler o jornal que assino. Por estranha coincidência, havia uma matéria sobre campanha de adoção de cães e bichanos abandonados. Em momento próprio, e como fui induzido, tracei a vista naquele animal anônimo, que, ainda inerte, parecia ter sido entregue à vida para deter os misteres de seus semelhantes: ter de "aprender" normas, que muitos julgam serem obedecidas por mero instinto animal; prender-se ao convívio de um dono e, acima de tudo, mostrar-se inerme a muitos dos donos que os usam como saco de pancadas. Em instantes, mergulhava em reflexão sobre o título que detemos: somos os subjugadores, os animais racionais. Quando me atinei à matéria jornalística, já em final de leitura, idealizei uma situação fantástica que representaria bem a mudez daquele animalzinho enigmático: a posse inversa. Muitos animais da matéria lida, entre outros, assumiriam o poder de escolher um dono, uma legítima adoção de animal racional. Bem que, em sociedade hodierna, o emblema da racionalidade não caberia adequadamente a ninguém; em quase profusão de toda aberração humana, o homem que está vestido em terno escatológico não merece sequer a propriedade de seres taciturnos e frágeis como este que me olha. Vivam estes tipos caninos e felinos, que agora podem, ao menos em meus pensamentos, adotar um animal racional!

    (Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

    Em curta passagem de enredo, estoura a cólera.

    A priori, não identifiquei a fonte de tamanha confusão. Movido pelo temor escancarado nas faces das mulheres, trespassei ao lado da rua onde eu não podia ser visto por nenhum daqueles que ali estavam. Estava inquieto por duplo motivo: o atraso de minha condução, creio que haja conduções em plena madrugada de um domingo, e a debandada de vozes roucas e autoritárias mescladas aos gritos femininos que me mordiam os ouvidos. Agora, que o apaziguar das ações clareou-me a vista, noto a surra que duas moças levam na calçada oposta à fachada da "dancing"; impiedosamente três homens rotos, que espumam mais que os raivosos cachorros erradios que habitam as ruas nas madrugadas de Copacabana, espancam moças já deformadas pela profissão que lhes foi imposta, que é saciar os instintos animalescos dos homens; era o que diziam seus trajes fadados ao mister de serem retirados por outrens.

    Costumo passar por esse cruzamento, ao voltar do trabalho, mas nunca notara a presença desses tipos, que agora saem presto em carro de luxo. É impressionante como os fatos são elásticos, pois parece que a cena retornou à diversão da danceteria, que ainda abriga pessoas que, indiferentes ou desconhecidas do fato, fruem da dança. Mais sossegado, atravesso a rua e sigo o meu rumo em busca de algum outro ponto de trajeto de alguma condução. Agora, quase uma quadra de distância da danceteria, escuto o barulho de uma explosão vindo de dentro, ou provavelmente dos arredores, daquele local. Foi a gota d'água que me transformou o dia em pesadelo, pois o meu falso julgo do que motivou a incipiente confusão dava-me sinais da muito recorrente violência do Rio, logo não achei que aquela confusão, aparentemente abafada, tomaria grandes proporções. Foi certamente uma bomba, não tive coragem de voltar. [...]

    (Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

    segunda-feira, 6 de agosto de 2007

    Origem dos Sistemas Lineares e Determinantes

    Por Hygino H. Domingues

    Na matemática ocidental antiga são poucas as aparições de sistemas de equações lineares. No Oriente, contudo, o assunto mereceu atenção bem maior. Com seu gosto especial por diagramas, os chineses representavam os sistemas lineares por meio de seus coeficientes escritos com barras de bambu sobre os quadrados de um tabuleiro. Assim acabaram descobrindo o método de resolução por eliminação — que consiste em anular coeficientes por meio de operações elementares. Exemplos desse procedimento encontram-se nos Nove capítulos sobre a arte da matemática, um texto que data provavelmente do século 111 a.C.

    Mas foi só em 1683, num trabalho do japonês Seki Kowa, que a idéia de determinante (como polinômio que se associa a um quadrado de números) veio à luz. Kowa, considerado o maior matemático japonês do século XVII, chegou a essa noção através do estudo de sistemas lineares, sistematizando o velho procedimento chinês (para o caso de duas equações apenas).

    O uso de determinantes no Ocidente começou dez anos depois num trabalho de Leibniz, ligado também a sistemas lineares. Em resumo, Leibniz estabeleceu a condição de compatibilidade de um sistema de três equações a duas incógnitas em termos do determinante de ordem 3 formado pelos coeficientes e pelos termos independentes (este determinante deve ser nulo). Para tanto criou até uma notação com índices para os coeficientes: o que hoje, por exemplo, escreveríamos como a12, Leibniz indicava por 12.

    A conhecida regra de Cramer para resolver sistemas de n equações a n incógnitas, por meio de determinantes, é na verdade uma descoberta do escocês Colin Maclaurin (1698-1746), datando provavelmente de 1729, embora só publicada postumamente em 1748 no seu Treatise of algebra. Mas o nome do suíço Gabriel Cramer (1704-1752) não aparece nesse episódio de maneira totalmente gratuita. Cramer também chegou à regra (independentemente), mas depois, na sua Introdução à análise das curvas planas (1750), em conexão com o problema de determinar os coeficientes da cônica geral A + By + Cx + Dy2 + Exy + x2 = 0.

    O francês Étienne Bézout (1730-1783), autor de textos matemáticos de sucesso em seu tempo, sistematizou em 1764 o processo de estabelecimento dos sinais dos termos de um determinante. E coube a outro francês, Alexandre Vandermonde (1735-1796), em 1771, empreender a primeira abordagem da teoria dos determinantes independente do estudo dos sistemas lineares — embora também os usasse na resolução destes sistemas. O importante teorema de Laplace, que permite a expansão de um determinante através dos menores de r filas escolhidas e seus respectivos complementos algébricos, foi demonstrado no ano seguinte pelo próprio Laplace num artigo que, a julgar pelo título, nada tinha a ver com o assunto: "Pesquisas sobre o cálculo integral e o sistema do mundo".

    O termo determinante, com o sentido atual, surgiu em 1812 num trabalho de Cauchy sobre o assunto. Neste artigo, apresentado à Academia de Ciências, Cauchy sumariou e simplificou o que era conhecido até então sobre determinantes, melhorou a notação (mas a atual com duas barras verticais ladeando o quadrado de números só surgiria em 1841 com Arthur Cayley) e deu uma demonstração do teorema da multiplicação de determinantes — meses antes J. F. M. Binet (1786-1856) dera a primeira demonstração deste teorema, mas a de Cauchy era superior.

    Além de Cauehy, quem mais contribuiu para consolidar a teoria dos determinantes foi o alemão Carl G. J. Jacobi (1804-1851), cognominado às vezes "o grande algorista". Deve-se a ele a forma simples como essa teoria se apresenta hoje elementarmente. Como algorista, Jacobi era um entusiasta da notação de determinante, com suas potencialidades. Assim, o importante conceito de jacobiano de uma função, salientando um dos pontos mais característicos de sua obra, é uma homenagem das mais justas.

    quinta-feira, 19 de julho de 2007

    De como o cálculo nasceu sem a teoria dos limites

    Por Hygino H. Domingues

    Os verdadeiros criadores do Cálculo, Isaac Newton (1642-1727) e Gottfried W. Leibniz (1646-1716), dois dos maiores matemáticos de todos os tempos, tiveram um final de vida bem diferente um do outro. Enquanto o funeral de Leibniz foi acompanhado apenas por seu secretário, não estando presente a ele, portanto, nenhum membro da corte de Hanover, à qual o falecido servira em grande parte de sua vida, Newton foi sepultado no Mosteiro de Westminster em meio a grande pompa, com a presença de eminentes personalidades da época.

    É ponto pacífico hoje que Newton e Leibniz partiram de premissas distintas e desenvolveram suas idéias sobre o Cálculo independentemente. Essas idéias remontam à segunda metade do século XVII e, embora as de Newton sejam anteriores às de Leibniz, estas foram publicadas antes. Mas uma polêmica estéril sobre a prioridade surgiu entre as partes, com desgaste maior para Leibniz. Para culminar, em 1714, o Duque Georg Ludwig, de Hanover, tornou-se o rei George I da Inglaterra e, talvez para agradar seus novos súditos, marginalizou o mais eminente de seus servidores - daí o obscuro fim de Leibniz.

    Mas as raízes do Cálculo estão fincadas na Grécia, 2000 anos antes, com a invenção de um processo para a determinação de áreas, volumes e centros de gravidade que é o precursor do atualmente chamado cálculo integral. Conhecido hoje como método de exaustão, seu criador foi provavelmente Eudoxio de Cnido (390-337 a.C.) mas ninguém o exerceu com tanta maestria como Arquimedes (287-212 a.C.). Na verdade faltava operacionalidade a esse método, que tinha que ser substituída por muito engenho matemático, no que Arquimedes era insuperável.

    O método de exaustão conseguia contornar o uso de "limites". Num de seus trabalhos, no cálculo de uma área, Arquimedes chegou ao que seria hoje a série: a + a/4 + a/16 + a/64 + ... . Mas na matemática grega não havia fundamento que justificasse uma soma infinita. Assim Arquimedes, depois de perceber, por meio de toda a sua argúcia matemática, que o resultado deveria ser 4a/3, provou por dupla redução ao absurdo que não poderia ser nem maior nem menor que este valor, logo teria que ser igual. Algo para gênios, sem dúvida. Ocorre que a agora bem conhecida e "democrática" fórmula S = a/(1 - q) da soma de uma P.G. infinita a + aq + aq2 + ... (para q maior ou igual a zero e menor que um) pressupõe a idéia de limite que para os gregos era inaceitável.

    No século XVII vários problemas da mais alta importância e atualidade levaram à criação do cálculo diferencial em conexão com o cálculo integral, mas já havia condições matemáticas que permitiam que isso se fizesse por métodos mais operacionais. Em suma, esses problemas eram: a) determinar a velocidade e a aceleração de um corpo da sua lei de movimento; b) determinar retas tangentes a curvas; c) determinar máximos e mínimos de uma função; d) determinar comprimentos de curvas (descritas por um planeta, por exemplo), áreas, volumes e centros de gravidade.

    Tanto Newton como Leibniz tiveram precursores, mas indubitavelmente foram ambos que lançaram as linhas mestras do atual Cálculo. Newton fundamentava suas idéias na cinamática e Leibniz na geometria; o cálculo de Newton era mais susceptível de se tornar rigoroso, mas em compensação o de Leibniz era mais operacional, inclusive graças a uma notação melhor (enquanto o primeiro indicava a derivada de y=f(x) por y o segundo indicava por dy/dx). Nenhum deles sequer sonhava com os "épsilon" e "delta" da atual teoria dos limites.

    Se Leibniz precisasse de remissão, esta teria ocorrido na própria Inglaterra em 1812 com a fundação da "Analytical Society", que tinha como um de seus objetivos substituir no país a notação de Newton pela de Leibniz.

    Comentário: Este texto possuia caracteres gregos, que são incompatíveis com o formato do fenotexto e, creio, com a linguagem php desenvolvida em blogues; tive, pois, de substituir algumas notações matemáticas e esses caracteres por suas formas por extenso. O texto foi extraído do livro "Matemática: 3ª série, 2º grau - 8ª edição", Editora Atual - São Paulo, 1990, pág. 172.

    terça-feira, 17 de julho de 2007

    Crônica: Sujeito com seu cotidiano interrompido.

    Saía da faculdade de Direito às dez horas da noite, quando fui surpreendido por um grupo de homens armados. Todos pareciam taciturnos, e um deles empurrou-me para dentro de um carro que estava um pouco mais distante do campus. Fiquei surpreso com a inércia dos que transitavam no local, pois havia consciência dentre os transeuntes, mas a indiferença imperava naquela ocasião aterradora.

    Assim que um deles deu partida ao carro, um outro atou-me as mãos e perguntou-me se o nó estava apertado, o que me deixou bastante intrigado, pois tal atitude costuma pertencer a seqüestradores profissionais. Antes que me vendassem os olhos, pude notar que estavam em cinco. Daí em diante, o silêncio usucapiu por um longo período. Suava como um porco e, por um momento, planejava mentalmente encetar algum diálogo, mas o medo de acontecer algo inesperado cerrava-me a boca e travava-me a língua. Finalmente, escutei alguns primórdios de conversa entre dois deles, os quais, salvo engano, pareciam ser o motorista e o que estava no banco do carona. Logo após esses ruídos indecifráveis, o carro pára, e eles me carregam para alguma residência, tiram-me a venda e pedem que eu fique quieto. Lembro-me muito bem de que todos usavam máscaras, uns velames pretos.

    Passei alguns dias em um cômodo muito pequeno, um cubículo abjeto. Davam-me pouca água e comida, pois acho que me queriam muito magro para usarem minha imagem como ferramenta de chantagem destinada aos meus familiares. Tratava-se do seqüestro mais tradicional que poderia haver, pois passaram a se comunicar com minha família, pedindo quantias exorbitantes de dinheiro e valendo-se sempre de uma retórica califática para denotar a seriedade da ocasião. Depois de muito tempo de confinamento, já perdera as esperanças de sair vivo daquele local, pois notava, nos novos telefonemas (Sim! Conversavam muito alto), a resistência de minha família em ceder o maldito dinheiro e a crescente intolerância dos seqüestradores. Alguns dias depois, tomaram uma atitude que me surpreendeu enormemente: tiraram-me da clausura, puseram-me no carro e abandonaram-me na praça municipal.

    (Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

    domingo, 15 de julho de 2007

    Não é necessário arrojo algum…

    Minha história com blogues sempre foi muito conturbada. Comecei com resenhas musicais desazadas e totalmente intangíveis pela parcialidade, mas o empecilho maior era a formatação das postagens. A priori, escrevia através do tal mecanismo WYSIWYG (do inglês: o que vês é o que tens) disponibilizado pelo próprio servidor do blogue (Blogger, Wordpress, etc), porém tal serviço, apesar do título, nunca funcionou e sempre me iludia o pensamento, pobre vítima influenciada pelo pseudoformato do fenotexto. Nesse período enfadonho, cheguei a escrever algumas resenhas que, com o tempo, acabaram órfãs, pois fui vencido pelo cansaço de vê-las caquéticas.

    Depois de tanta apoquentação, perdurei sem escrever para internet, fato que foi colaborado por minha falta de tempo. Quase um ano depois, deparei-me com um programa promissor desenvolvido pela Microsoft, o qual propõe verdadeira atuação do antigo mecanismo maçante de visualização instantânea. Vi nele uma esperança de publicar meus textos de forma prática e segura, pois eram muitas as promessas, das quais me atraíram mais a possibilidade de elaborar e salvar postagens enquanto off-line, gerando o código php instantaneamente; formatá-las com as mais diversas ferramentas de inserção de imagens, tabelas, tags e até, quem diria, mapas; ter uma interface limpa, e poder fruir da comunicação direta entre o programa e o servidor.

    Preconícios à parte, defino agora as minhas intenções com este blogue: ter meios para partilhar com os visitantes a leitura dos mais diversos tipos textuais que proponho compor (artigos, crônicas, resenhas, poesias, etc.); poder fruir da interatividade com o visitante através de seus comentários; publicar textos de autoria alheia que julgo interessantes, sempre com os devidos créditos; apoiar causas que tangem à saúde pública, como o combate ao tabagismo, a prevenção de doenças venéreas, etc; e, por fim, pretendo manter-me com o compromisso de escrever-vos periodicamente. Quanto à escolha do título deste que ledes, a razão é a denotação simples e despreocupada da palavra rascunho, que se propõe a representar neste blogue, pois, nada de tão alegórico ou angélico. Quanto às apresentações, isso é tudo. Um abraço deste que vos escreve.

    (Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

    A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.