terça-feira, 28 de julho de 2009

Gramática: A dúvida da acentuação dos ditongos abertos “ei” e “oi”, a resposta, a discussão do novo VOLP e o ventilado Acordo Ortográfico.

     A partir de uma simples dúvida de um dos membros do fórum Só Português, tentando eu esclarecer a questão, tratei novamente do assunto Novo Acordo e dei um parecer sobre a nova edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (o famigerado VOLP), que está à venda por mais de cem reais. O assunto Reforma Ortográfica, já muito discutido na Internet, tem feito muitos doutos em língua portuguesa publicar esclarecimentos sobre o texto e as mudanças, o que causou, a princípio, um corre-corre na publicação de manuais e gramáticas atualizadas. Há também muitos aproveitadores, que se valem da onda em que ingressaram muitos estudiosos, para ganhar o seu, explicando as alterações ortográficas e dirigindo odes ao novo texto e ao seu escopo de unificação ortográfica. O impressionante é o comportamento subserviente de muitos brasileiros diante da “novidade”; há muitos que acham bonito o repetido discurso da unificação, aprendem vigorosamente as mudanças e saem por aí admoestando uns aos outros com base nas novas regras — cansei de perceber um ou outro topetudo dizer por aí: “O trema não existe mais!”, “Ideia perdeu o acento!”, “Escrever linguiça com trema agora é errado!” etc. Liga-se a tevê, o que hoje já não é boa atitude (ligando-se, tem-se de ter muito cuidado com o que nela é dito!), e veem-se, em uma canal de expressiva audiência, estampadas personalidades da música, do teatro, do cinema etc. dando dicas de como escrever corretamente, consoante as novas regras. Essa é uma ótima estratégia; o grosso do povo, que adora televisão, aprende rapidinho, se não, decora que é uma beleza. Não vou volumar mais este introito de postagem, porque o que mais interessa é o tópico, que está abaixo.

Boa tarde!
Gostaria de saber por que o acento agudo foi eliminado da palavra ideia?

Olá, foristas. Esse assunto, já tão ventilado entre os que discutem língua portuguesa, tem recuperado uma questão controversa: por que se acentuam os paroxítonos em cuja sílaba tônica aparece um dos ditongos abertos /ey/ e /oy/ se de há muito não se faz isso aos paroxítonos comuns, ou seja, se a tendência natural do português, tal como a de outras língua novilatinas, é a paroxitonia? Simples: alguém, em algum momento, pensou em usar acento gráfico para distinguir timbre das vogais tônicas dos paroxítonos, fato desnecessário que não tem tradição nenhuma no idioma. Não acentuar os paroxítonos, exceto os que terminam em -r, -l, -x, -n, -ão(s), -ã(s), -ps, -ons, -um, -uns, -i(s) e -us, é a estratégia mais eficaz de facilitar o sistema ortográfico da língua portuguesa, porque, justamente pela paroxitonia do português, é mais simples acentuar as palavras que não são paroxítonas, de acordo com as regras que foram estabelecidas pelo formulário de 43, modificado pela lei n.º 5765 de 71. Antes dessa lei, os paroxítonos homógrafos deveriam ser distinguidos pelo emprego de acento diferencial; as palavras acordo (substantivo) e acordo (verbo) eram diferençadas, escrevendo-se, assim, acôrdo e acordo, respectivamente. O mesmo ocorria com dêste (pron. demonstrativo) e deste (verbo na 2.ª pess. do pret. perfeito), com jôgo (substantivo) e jogo (verbo), etc., que não são mais marcados por conta da referida lei. Essa mudança é inteligente porque, como se sabe, o motivo primeiro de empregar-se acento gráfico é a indicação de tonicidade, e não de timbre; insistir na ideia de usar acento para marcar timbre, nesses casos e em outros que descreverei, significa perturbar o sistema ortográfico, pois assim se têm duas formas de grafar homógrafos paroxítonos e, logo, dois conjuntos de palavras (significantes), ao passo que, com a eliminação desses acentos, se poderia ter apenas metade do número de vocábulos e, portanto, menos variabilidade, menos dúvidas e menos complicação. É provável que pensem que estou tratando de um assunto distante do Acordo de 90, mas não. O caso das palavras ideia, geleia, Coreia, jiboia, tipoia etc. é muito semelhante ao das que foram modificadas pela lei de 71, pois o acento que nelas, nas alteradas pelo "novo" Acordo, se empregava tinha por papel primeiro a indicação de timbre, e não de tonicidade. Ora, para tornar clara a desnecessidade do emprego de acento em tais ditongos, basta perceber que, em qualquer posição diferente da penúltima sílaba, a vogal tônica exigiria acento gráfico segundo as normas do formulário que vigia até o fim do ano passado e do que então vigora. Então, como é bem perceptível, não há necessidade de pertubar o sistema ortográfico com regras que nada acrescentam à acentuação gráfica. Bom, se alguém ainda quiser escrever idéia, jibóia etc., certamente não se incomodará em grafar bôlo, dêste, gôsto etc.

Não sou de todo a favor do "novo" Acordo. Esperava que, com a publicação do novo VOLP, as coisas fossem mais bem esclarecidas. O que ocorre, no entanto, é o contrário: as coisas estão bem mais obscuras. Entenderam mal os sentados da academia, a que se refere o colega [o confrade é um dos membros do fórum Só Português], algumas novas normas do Acordo e prescreveram algumas grafias totalmente extravagantes. Alguém se lembra da tão famigerada noção de composição? Pois é, com a nova edição do VOLP, as palavras pé-de-moleque, água-que-passarinho-não-bebe, maria-vai-com-as-outras, pé-de-chinelo e quejandos, que sempre foram compostos hifenizados, passam a pé de moleque, água que passarinho não bebe, maria vai com as outras, pé de chinelo etc. A noção de composição nestes "compostos" do VOLP, que mais parecem locuções substantivas, se enfraquece de tal modo que não se veem mais, a não ser pelo contexto, os significados de doce feito de mandioca, fubá, coco, açúcar e amendoim, em pé de moleque; de cachaça, em água que passarinho não bebe; de pessoa de personalidade fraca que é facilmente influenciável pela opinião de outras, em maria vai com as outras; de marginal pouco perigoso, em pé de chinelo. Interpretaram os da academia que todo composto que contiver preposição(ões) ou conjunção(ões) ou for frasal, ao estilo de maria-vai-com-as-outras, não deve ser hifenizado, o que foge do plano da morfologia e parte para a sintaxe, como bem disse o nosso Dr. Moreno em excelente conjunto de artigos sobre o novo VOLP. Imagine-se como se dirá a uma criança que está aprendendo português que água que passarinho não bebe (sim! esse catatau sem nenhum traço-de-união) é uma palavra (!), e não uma frase. Além dessa aberração, que, como se vê, não é pequena, há diversas vacilações e incoerências, dentro do VOLP, acerca da flexão de palavras compostas (por ex., diz-se que o plural de pinga-pinga é pingas-pinga — cruzes!).

A quem quiser ler os ótimos artigos do Dr. Cláudio Moreno deixo os linques:

Não compre o novo VOLP! — 1.ª parte
Não compre o novo VOLP! - 2.ª parte 
Não compre o novo VOLP! 3.ª parte
Não compre o novo VOLP (final)

Do ponto de vista político, o Acordo não tem muita razão de ser; é necessário perceber que os gastos serão bem grandes por conta desse 0,5% de mudança do corpus tomado no Acordo, que contém aproximadamente 110.000 palavras. Imaginem quantos livros terão de ser reeditados! É lucro certo para as editoras! E o Brasil, que já tem uma estrutura educacional bem frágil, decerto terá ainda mais prejudicada a aprendizagem das gerações vindouras.

Já tratei demasiadamente do assunto Acordo Ortográfico, de modo que me cansa pensar em falar novamente o que por mim já foi dito várias vezes. O escopo de esclarecer a falsa proposta de unificação, o mote maior dos acordistas, é o que me dá energia para tornar a escrever sobre o assunto. Se se procurarem textos meus pela Internet afora, ou mesmo neste fórum, com certeza, ver-se-á que neles sempre afirmo que o texto do Acordo apresenta incoerências e vacilações, apesar de trazer algumas novas regras de há muito necessárias. Isso é tudo o que ora posso falar sobre o assunto.

Um abraço. Até outros tópicos.

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A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.