domingo, 16 de março de 2008

Conto: A intrepidez, por fim, condenou-o à morte.

    "Que se faça justiça!", bradou o pai inconformado, ao ter em seus braços o corpo ensangüentado daquele que gerara e cuidara com todo o amor, o filho único. O torpor tomou-lhe conta da sanidade, o pobre velho não conseguia pensar em mais nada. A tez branca do defunto o hipnotizara, e o olhar cadavérico não o motivara sequer a baixar-lhe as pálpebras. Quem diria que o jovem morrera em vão? Foram tão-só dois balaços no peito, projetis fulminantes que lhe enfearam o tórax.
    Os tiros puseram fim ao terror que, de há muito, atormentava a mãe do rapaz, o qual, em pequena cidade interiorana, nasceu e viveu toda a sua pouca vida, mas, a partir dos dezoito anos, passou a enfrentar todas as dificuldades que implicaram sua morte. Andou-se enrabichando com filha jeitosa do homem mais aguerrido da cidade, um barbudo que se julgava o único coronel daquelas bandas. Apesar de toda a fama do tal coronel, o jovem não temia a barba crassa e a voz bravia do pai da moça com que se encontrava e dizia forte que, se barba valesse respeito, o pobre do bode não teria chifres. Os primeiros encontros foram às escondidas, por querer da própria moça, que temia mais pela saúde do amásio do que ele próprio. O rapaz sempre mostrava-se contrário à surdina que envolvia os seus encontros, e a sua moça considerava-o tão corajoso quanto burro, posto que o amor, ou não tanto, uma forte atração, atava-a ao corpo do rapaz, que, intransigente, reclamava-lhe exposição do namoro. A mãe do rapaz era, das figuras femininas, a que mais sofria com as aventuras do filho. Ela rezava todos os dias para que nada de mal lhe ocorresse, mas o filho denodado achava que coisa alguma poria fim ao caso que sustentava com a filha do coronel. O jovem era, de certo, mais uma vítima do denodo exacerbado, descomedido destemor, que afeta os jovens apaixonados, tornando-os cegos, descrentes do perigo que os circunda.
    O pai do mancebo não rechaçava o namorico sustentado por ele, senão apoiava forte o relacionamento do rapaz, mesmo sabendo que a moça era filha de seu superior, o homem a quem servia desde que chegou à cidade em busca de trabalho, muito antes de conhecer sua esposa, a mãe do denodado rapaz. A necedade foi a herança direta que o pai deixou ao filho, o velho orgulhava-se do sorriso diário do menino, mas não notava que sua percepção e inteligência morosas em não alertá-lo do perigo estavam preparando o túmulo de seu rapaz, ou pior, a cena em que todo aquele torpor que se lhe acometeria ao ver o semblante horrendo do rapaz que, enfim, se aquietaria em seus braços. A intrepidez, por fim, condenou-o à morte.

(Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

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A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.