domingo, 14 de outubro de 2007

Poesia: Zé Limeira

"Escrotidão" poética, pornografia versada, distorções históricas poético-delirantes e prenhes de pseudo-nonsense, métrica ilibada, voz trovejante de bardo nordestino, anéis por todos os dedos, poesia pra todos os lados. Seus trajes aberrantes, sua viola, seu matulão pendurado. Esse aí não é ninguém não, é Zé Limeira, o mais mitológico dentre todos os repentistas surgidos no Brasil. Tem gente que até hoje acha que ele nunca existiu. “Vai ver foi um personagem criado pela cabeça fantasiosa de outros repentistas”, diriam os incautos.

O compêndio poético de sua obra só chegou ao conhecimento das novas gerações graças ao abnegado trabalho de pesquisa realizado pelo advogado e escritor Orlando Tejo, que resultou no livro "Zé Limeira, poeta do absurdo". Os dois se conheceram em 1950 e o encontro entre narrador e narrado é assim descrito pelo primeiro: “Foi numa nublada tarde de sábado que ouvi pela primeira vez José Limeira. Cantava em sombrio casarão da Rua Manuel Pereira de Araújo, movimentado centro do baixo meretrício, em Campina Grande. Chamou-me a atenção a dimensão do óculo (sic) exageradamente escuro que, havia 20 anos, inspirara este espirituoso repente de Severino Pinto:

Nestes dias vou fazer/ Como o nosso Zé Limeira:/ Comprar uns óculos escuros

Desses de tolda de feira/ Botar o bicho na cara,/ Sair cantando besteira"

Alcunhado de poeta do absurdo pelas suas construções poéticas verborrágicas e pelos neologismos mais esdrúxulos como pilogamia, filanlumia e filosomia, este paraibano de Teixeira cultivou um surrealismo assertanejado e altamente psicodélico, como confirmam estes versos:

Casemo no ano de 15
Na seca de 23
A mulher era donzela
Viúva de sete mês
Mais não me alembro que tenha
Um dia ficado prenha,/
Estado de gravidez.

Para obter mais informações sobre Zé Limeira, visita esta página: http://www.facom.ufba.br/pexsites/musicanordestina/limeira.htm

Algumas de suas poesias:

Sem título

O meu nome é Zé Limeira
De Lima, Limão , Limansa
As estradas de São Bento
Bezerro de Vaca Mansa
Vala-me, Nossa Senhora
Ai que eu me lembrei agora:
Tão bombardeando a França

Ninguém faça pontaria
Onde o chumbo não alcança
E vou comprá quatro livro
Prá estudá leiturança
Bem que meu pai me dizia:
Jesus , José e Maria,
São João das Orelha mansa

Ainda não tinha visto
Beleza que nem a sua,
De cipó se faz balaio
A beleza continua
Sete-Estrelo, três Maria
Mãe do mato pai da lua

A beleza continua
De cipó se faz balaio
Padre-Nosso, Ave-Maria,
Me pegue senão eu caio
Tá desgraçado o vivente
Que não reza o mês de maio

Sei quando Jesus nasceu,
Num dia de quinta-feira,
Eu fui uma testemunha
Sentado na cabeceira
São José chegou com um facho
De miolo de aroeira

Um dia o Reis Salamão
Dormiu de noite e de dia,
Convidou Napoleão
Pra cantá pilogamia
Viva a Princesa Isabé
Que já morô em Sumé
No tempo da monarquia

Zé Limeira quando canta
Estremece o Cariri
As estrêla trinca os dente
Leão chupa abacaxi
Com trinta dias depois
Estoura a guerra civí

Eu só gosto dessa moça
Porque tem vegetação
Porteira de pau a pique
Três pneus de caminhão
Peido de jumenta ruça
E haja chuva no sertão.

Foi quando Tomé de Souza
Desembarcou na Bahia
Logo no primeiro dia
Passou o pau na esposa
Ligeiro que nem raposa
Comeu na frente e atrás
Depois, na beira do cais
Por onde os navio trafega
Comeu o Padre Nóbrega
Que os anos não trazem mais.

Eu me chamo Zé Limeira,
Cantador que tem ciúme,
Brisa que sopra da Serra,
Fera que chegar do cume,
Brigada só de peixeira,
Mijo de moça solteira
Faca de primeiro gume!

Se tu for na minha casa
Tem capim pro teu cavalo,
Se chegar um filosofo
Eu mando fotografá-lo
Se chegar um fotografo
Eu mando filosofá-lo!

Eu me chamo Zé Limeira
Nascido lá no Tauá
Entre casca de Angico
Miolo de Jatobá
Bico de pato vadio
Picilone, za zá!

Mote: Diz o novo testamento

Minha muié chama Bela
Quando eu vou chegando em casa
O galo canta na brasa,
Cai o texto da panela
Eu fico olhando para ela
Cheio de contentamento
O satanaz num jumento
Pra mordê a Mãe de Deus
Não mordeu ela nem eus
Diz o novo testamento

Eu vi uma gavetinha
Da casa de João Moisés
Mais de cem contos de réis
Só de ovo de galinha
Ela comeu uma tinha
Da carcassa de um jumento
Que bicho má, peçonhento
Lacrau e piôi de cobra
Não pode mais fazer obra,
Diz o novo testamento

Jesus nasceu em Belém,
Conseguiu sair dalí
Passou por Tamataí
Por Guarabira também
Nessa viagem de trem

Foi pará no Entroncamento
Não encontrando aposento
Dormiu na casa do cabo
Jantou cuscus com quiabo
Diz o novo testamento

A Antítese do Sinônimo

Não faz sentido
O sentido da razão
Se minha mãe é minha tia
O meu primo é meu irmão.
Sou meu pai quando filho
Sou o filho tendo um pai
Sou canjica pra ser milho
Tudo sobe quando cai.

Vou te dar dinheiro
Vou agora ser ladrão
O bonzinho traiçoeiro
Virgulino Lampião.
Quando é noite não é dia
Se já é dia claridão
Na penumbra da sombra
Surge o brilho escuridão.

Sou o crime que pratica o réu
Sou o mar que banha o sertão
Sou a doçura amargura do mel
Sou a altura baixa do anão.
Sou o medo destemido
Da pimenta que não arde
Sou a surdez do ouvido
Da coragem do covarde.

Sou uma pessoa pobre
E tenho muito capital
Sou muito mais que nobre
E sou um anti-social.
Tive a idéia que não pensei
Quando esqueci da lembrança
De não pensar eu até lembrei
Que desisti da esperança.

Apocalipse de Zé Limeira

Quem acha que é preciso
O mundo se acabar
Pra ver o povo virar
Teleco-teco na terra
Buliram na atmosfera
Desse sistema solar

Eu vejo que é muito frágil
Pitomba presa num galho
De aroeira parida
Humanidade fundida
No forno quente de belzebu

Eu vejo o apocali-psicologia profunda
De que um dia virá
Um astronauta para me salvar

Pressinto nuvens escuras
Enferrujando armaduras
Um terremoto lunar
O anjo da virgindade
Fará de toda maldade
Um cogumelo solar

Um amuleto divino
No braço do pequenino
Escapulário de luz
Explorador da bondade
Está em cada cidade
Até no brejo da cruz

Eu vejo no apocali-psicologia profunda
De que um dia virá
Um astronauta para me salvar

Versos avulsos:

Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraíba falada,
Cantando nas Escritura,
Saudando o pai da coalhada,
A lua branca alumia,
Jesus, José e Maria,
Três anjos na farinhada.

Jesus foi home de fama
Dentro de Cafarnaum,
Feliz da mesa que tem
Costela de gaiamum,
No sertão do cariri
Vi um casal de siri
Sem comprimisso nenhum.

Napoleão era um
Bom capitão de navio,
Sofria de tosse braba
No tempo que era sadio,
Foi poeta e demagogo,
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio.

É difícil um home moco
Aprendê pirnografia,
Um professor de francês
Honestamente dizia:
Tempo bom era o moderno,
Judas só foi pro inferno
Promode a virgem Maria.

São Pedro na sacristia
Batizou Agamenon,
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califom,
Montado na sua idéia,
Nas ruas da Galiléia
Tocou viola e pistom.

Quando Jesus veio ao mundo
Foi só pra fazê justiça:
Com treze ano de idade
Discutiu com a doutoriça,
Com trinta ano depois,
Sentou praça na puliça.

Saíram lá de Belém
Cristo e Maria José,
Passaram por Nazaré,
Foram Betelelém,
Chupô cana num engem,
Pediu arrancho num brejo,
De noite armuçou um tejo
Lá perto de Piancó,
Na sexta-feira malhô
Foi que Judas vendeu Jésus!

Aonde Limeira canta
O povo não aborrece,
Marrã de onça donzela
Suspira que bucho cresce,
Velha de setenta ano
Cochila que a baba desce!

Carmelita e Carmeluta
É tudo uma coisa só;
Carmeluta é pro chambrego,
Carmelita é pro xodó,
È prato de pirão verde
Com xerém de mocotó.

Um General de Brigada,
Com quarenta grau de febre,
matou um casal de lebre
Prá comê uma buchada...
Quando fez a panelada
Morreu e não logrou dela,
Porco que come em gamela
Prova que ano tem fastio,
Peixe só presta de rio,
Piau de tromba amarela.


Versos avulsos:

Getúlio Vargas morreu
Foi com saudade da esposa,
Lampião inda tá vivo
Morando perto de Sousa
Por detrás do sete-estrelo
tem um casal de raposa.

No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava
Plantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá,
Dom Pedro correu pra Iá,
Escanchado num tratô...
Canta, canta, cantadô
Que seu destino é cantá.

Mais alguns versos avulsos:

No sereno sertão da Palestina
Eu cantava num dia de Finado,
Uma vaca pastava no cercado,
Um macaco comia uma menina
Um sargento chegava numa usina,
Um moleque zarôi vendia pente,
Um cavalo chinês trincava o dente,
Uma zebra corria atrás dum frade...
Quer saber quanto custa uma saudade
Tenha amor, queira bem e viva ausente!

Limeira só canta toada bonita
Pra moça da roça, pra moça da rua...
Braúna, chocalho de noite de lua,
Cardeiro enfeitado de laço de fita.
Carroça vestindo camisa de chita,
Novena na casa do Sítio Tauá,
Porteira, cancela, vereda, jucá,
Mutuca, facheiro, valado, pagode,
A cabra rodando na pimba do bode,
Cantando galope na beira do má".

(fonte: Música Nordestina e Jornal de Poesia)

Comentário: Caso queiras mais informações sobre Zé Limeira e sua obra, há ainda esta página do poeta Orlando Tejo:

http://www.revista.agulha.nom.br/otejo.html.

4 comentários:

  1. zé limeira é um poeta
    que rima a hipocrisia
    mete o pau em jesus cristo
    fala da virgem maria

    nada disso é de outro mundo
    nem absurdo também
    inventar é do poeta
    fale mal ou fale bem

    aparicio é meu nome
    moro no rio de janeiro
    não creio em lobesomem
    só no que vejo primeiro

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  2. muito bom esse poeta ,
    rima tudo com o nada
    rima bosta com qualhada
    faz a rima como pedra
    duro que so a ganzela
    feito carreira sem leira
    viva o gande ze limeira
    poeta da vida eterna

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  3. Ola, reis massa seu blog! du carai mesmo...
    Curto muito Zé Limeira, fiz um Repente tipo os deles, guardandi clero as devidas proporções...
    C...)
    Assaré sujeito honrado

    Go go boy a noite

    Durante o dia é macho

    Patativa é passo brabo

    Sorria você esta sendo filmado

    Arriégua desconjuro vai de reto

    Tudo em vinte quatro vezes sem juro

    Raquel poetisa quente

    Diz que Fariseus não é gente

    Raça de corno

    Diz o eleitor

    Votar é obrigação

    Eleger é abrir mão da salvação

    Explica Frei Damião
    (...)

    Ele por completo no meu blog, abraçao reis!

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  4. Vejam os poetas aparecendo nestes comentários. [rs.]

    Abraço, magote de gente inspirada!

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A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.