segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Crônica: A crônica sem assunto.

Enfim, escrevo-o, um texto mal programado. Teria de começá-lo às seis, mas a enfadonha espera por conectar-me à internet não me permitiu. Ora, para não cair em ócio, tomei algumas crônicas de autores vários para breve releitura. Esperei contemplar um pouco mais da fluência dos textos de Drummond, Duílio Gomes, Sabino, Rubem Braga e alguns outros; mas deu-se a intempestiva conexão, uma pausa que, para mim, representou um pouco de alívio (enfim não perderia mais um minuto sequer para começar este texto) e desapontamento, por interromper-me as lembranças de crônicas antigas. A sistematização de minha composição tem-me exaurido a criatividade, e procuro, pois, agora, retirar assunto das coisas supérfluas de um domingo rotineiro. A família parou há pouco para assistir ao jogo da seleção brasileira de futebol contra a da Colômbia, e cá estou tentando lembrar-me de mais alguma ocorrência trivial. É certo que hoje acordei um tanto disposto à escrita, mas a sistematização das coisas impede-me a naturalidade; fico até receoso de tornar-me o texto artificial deveras e por definitivo.

O cotidiano ajudou-me um pouco, mas a recorrência ao fictício ainda compõe majoritariamente os meus textos; salvos a esse ataque do ilusório estão os meus desabafos, como este que ainda é um tanto incerto e sem rumo. Quando paro para discutir essa metalinguagem da composição, não minto: é falta de assunto mesmo! Pensei em mil coisas durante a semana, e, prestes a começá-lo e antes das crônicas lidas, tomei um dos livros de redação para procurar uma boa proposta que não fosse dissertativa, talvez uma narrativa, crônica ou qualquer outra, que todas me convêm; pois, assim como muitos dos meus colegas de aulas, estou farto da freqüência com que escrevo dissertações. Ah! Mas boas crônicas, como muitos ratificam, exigem muita vivência, o que ainda não possuo. Ainda espero quem defina realmente uma crônica, pois é dito por grandes nomes como a modalidade residente entre o conto e a poesia, e há ainda, segundo outros, vertentes várias desse tipo que vão da subjetividade do autor à narração semiplástica das coisas, mas que deveras mostra a despreocupação com o rigoroso fenotexto (assim afirmou o próprio Drummond: "... mas a crônica de que estou falando é aquela que não precisa entender de nada ao falar de tudo."). É realmente o que é sempre dito sobre a crônica, a mais libertina filha do jornal: "Se a notícia deve ser sempre objetiva e impessoal, a crônica é subjetiva e pessoal. Se a linguagem jornalística deve ser precisa e enxuta, a crônica é impressionista e lírica...". Nesta vacância de assunto, escuto, neste exato momento, o alarde das crianças correndo na rua e o atordoante latido de meu cachorro por motivo de toda a algazarra. É ferro ter de escrever com tanto barulho! [risos]. Situação irritante e semelhante a esta motivou-me a compor, na última sexta-feira, um poema horrível que ainda está sem título; foi a busca do mais legítimo nonsense em intervalo de dez leveiros minutos de escrita. Quando o leio, torno a rir de toda a sua falta de sentido (é a proposta, claro). Aprecio veementemente quem se vale da composição frívola, a mais transparente comunicação com o leitor. O texto preso ao paletó-e-gravata, como já dissera Drummond, não vale sequer a menor intimidade de quem escreve para com quem o lê; certamente é, e ainda ratifico: é o fruto podre da mais sistemática e artificialmente artificial mente. Comecei este texto com a mais clara intenção de tomar semelhante rumo (as linhas artificiais), mas percebo que, já em suas linhas finais, ele me transformou um pouco da concepção criativa.

(Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

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A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.