quinta-feira, 19 de julho de 2007

De como o cálculo nasceu sem a teoria dos limites

Por Hygino H. Domingues

Os verdadeiros criadores do Cálculo, Isaac Newton (1642-1727) e Gottfried W. Leibniz (1646-1716), dois dos maiores matemáticos de todos os tempos, tiveram um final de vida bem diferente um do outro. Enquanto o funeral de Leibniz foi acompanhado apenas por seu secretário, não estando presente a ele, portanto, nenhum membro da corte de Hanover, à qual o falecido servira em grande parte de sua vida, Newton foi sepultado no Mosteiro de Westminster em meio a grande pompa, com a presença de eminentes personalidades da época.

É ponto pacífico hoje que Newton e Leibniz partiram de premissas distintas e desenvolveram suas idéias sobre o Cálculo independentemente. Essas idéias remontam à segunda metade do século XVII e, embora as de Newton sejam anteriores às de Leibniz, estas foram publicadas antes. Mas uma polêmica estéril sobre a prioridade surgiu entre as partes, com desgaste maior para Leibniz. Para culminar, em 1714, o Duque Georg Ludwig, de Hanover, tornou-se o rei George I da Inglaterra e, talvez para agradar seus novos súditos, marginalizou o mais eminente de seus servidores - daí o obscuro fim de Leibniz.

Mas as raízes do Cálculo estão fincadas na Grécia, 2000 anos antes, com a invenção de um processo para a determinação de áreas, volumes e centros de gravidade que é o precursor do atualmente chamado cálculo integral. Conhecido hoje como método de exaustão, seu criador foi provavelmente Eudoxio de Cnido (390-337 a.C.) mas ninguém o exerceu com tanta maestria como Arquimedes (287-212 a.C.). Na verdade faltava operacionalidade a esse método, que tinha que ser substituída por muito engenho matemático, no que Arquimedes era insuperável.

O método de exaustão conseguia contornar o uso de "limites". Num de seus trabalhos, no cálculo de uma área, Arquimedes chegou ao que seria hoje a série: a + a/4 + a/16 + a/64 + ... . Mas na matemática grega não havia fundamento que justificasse uma soma infinita. Assim Arquimedes, depois de perceber, por meio de toda a sua argúcia matemática, que o resultado deveria ser 4a/3, provou por dupla redução ao absurdo que não poderia ser nem maior nem menor que este valor, logo teria que ser igual. Algo para gênios, sem dúvida. Ocorre que a agora bem conhecida e "democrática" fórmula S = a/(1 - q) da soma de uma P.G. infinita a + aq + aq2 + ... (para q maior ou igual a zero e menor que um) pressupõe a idéia de limite que para os gregos era inaceitável.

No século XVII vários problemas da mais alta importância e atualidade levaram à criação do cálculo diferencial em conexão com o cálculo integral, mas já havia condições matemáticas que permitiam que isso se fizesse por métodos mais operacionais. Em suma, esses problemas eram: a) determinar a velocidade e a aceleração de um corpo da sua lei de movimento; b) determinar retas tangentes a curvas; c) determinar máximos e mínimos de uma função; d) determinar comprimentos de curvas (descritas por um planeta, por exemplo), áreas, volumes e centros de gravidade.

Tanto Newton como Leibniz tiveram precursores, mas indubitavelmente foram ambos que lançaram as linhas mestras do atual Cálculo. Newton fundamentava suas idéias na cinamática e Leibniz na geometria; o cálculo de Newton era mais susceptível de se tornar rigoroso, mas em compensação o de Leibniz era mais operacional, inclusive graças a uma notação melhor (enquanto o primeiro indicava a derivada de y=f(x) por y o segundo indicava por dy/dx). Nenhum deles sequer sonhava com os "épsilon" e "delta" da atual teoria dos limites.

Se Leibniz precisasse de remissão, esta teria ocorrido na própria Inglaterra em 1812 com a fundação da "Analytical Society", que tinha como um de seus objetivos substituir no país a notação de Newton pela de Leibniz.

Comentário: Este texto possuia caracteres gregos, que são incompatíveis com o formato do fenotexto e, creio, com a linguagem php desenvolvida em blogues; tive, pois, de substituir algumas notações matemáticas e esses caracteres por suas formas por extenso. O texto foi extraído do livro "Matemática: 3ª série, 2º grau - 8ª edição", Editora Atual - São Paulo, 1990, pág. 172.

Um comentário:

  1. Muito bos sua postagem, foi muito enriqquecedor para minha pesquisa sobre a origem do calculo

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A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.