terça-feira, 17 de julho de 2007

Crônica: Sujeito com seu cotidiano interrompido.

Saía da faculdade de Direito às dez horas da noite, quando fui surpreendido por um grupo de homens armados. Todos pareciam taciturnos, e um deles empurrou-me para dentro de um carro que estava um pouco mais distante do campus. Fiquei surpreso com a inércia dos que transitavam no local, pois havia consciência dentre os transeuntes, mas a indiferença imperava naquela ocasião aterradora.

Assim que um deles deu partida ao carro, um outro atou-me as mãos e perguntou-me se o nó estava apertado, o que me deixou bastante intrigado, pois tal atitude costuma pertencer a seqüestradores profissionais. Antes que me vendassem os olhos, pude notar que estavam em cinco. Daí em diante, o silêncio usucapiu por um longo período. Suava como um porco e, por um momento, planejava mentalmente encetar algum diálogo, mas o medo de acontecer algo inesperado cerrava-me a boca e travava-me a língua. Finalmente, escutei alguns primórdios de conversa entre dois deles, os quais, salvo engano, pareciam ser o motorista e o que estava no banco do carona. Logo após esses ruídos indecifráveis, o carro pára, e eles me carregam para alguma residência, tiram-me a venda e pedem que eu fique quieto. Lembro-me muito bem de que todos usavam máscaras, uns velames pretos.

Passei alguns dias em um cômodo muito pequeno, um cubículo abjeto. Davam-me pouca água e comida, pois acho que me queriam muito magro para usarem minha imagem como ferramenta de chantagem destinada aos meus familiares. Tratava-se do seqüestro mais tradicional que poderia haver, pois passaram a se comunicar com minha família, pedindo quantias exorbitantes de dinheiro e valendo-se sempre de uma retórica califática para denotar a seriedade da ocasião. Depois de muito tempo de confinamento, já perdera as esperanças de sair vivo daquele local, pois notava, nos novos telefonemas (Sim! Conversavam muito alto), a resistência de minha família em ceder o maldito dinheiro e a crescente intolerância dos seqüestradores. Alguns dias depois, tomaram uma atitude que me surpreendeu enormemente: tiraram-me da clausura, puseram-me no carro e abandonaram-me na praça municipal.

(Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

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A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.