domingo, 1 de junho de 2008

O prato amargo.

    Na sociedade hodierna, há notável apatia dos sentidos dos homens, visto que eles não têm tempo suficiente para praticá-los; a máquina que os governa exige resposta presta e exata: não há o que sentir. Os princípios de humanidade, ou suas atitudes moribundas, remanescentes, são subjugadas todos os dias pela concorrência entre os homens que comem o pão de cada dia e não notam que consomem muito mais que isso; a escatologia humana é o prato consumido sem sal e os que se servem não sentem o sabor amargo da comida.

    Os conceitos que regem o homem do novo século são outros e os princípios do homem natural, pintado por filósofos da Ilustração, são projetos demasiadamente utópicos, cujo escopo tem-se distanciado da realidade gerida pelo capital. O homem, hoje, é vítima de si mesmo e o seu lema é o individualismo. De toda essa conjuntura social, o que mais me assusta é a dormência da sociedade diante dessa situação programada, mecânica, em que o homem mais parece uma peça de jogo de xadrez. Posto que os princípios naturais do ser humano não se mostrem com a devida freqüência nos dias de hoje, a situação não se limita à morosidade social e, pior, há, em verdade, uma inversão de conceitos: o bizarro, por exemplo, não mais choca o indivíduo acostumado a cenas de depravação humana e olvidado do conceito de beleza.

    A violência, sob as suas diversas faces, aparece-nos diariamente na televisão, no trajeto dos que vão trabalhar e até no mundo bem pintado, sem máculas, das crianças que são vítimas de sua inocência. A corrupção, não só a sua versão mais ventilada, que é a política, senão em sentido amplo, colabora, quando bem calada, com a banalização da violência, tornando o incidente escatológico um fato corriqueiro.

    O cenário de uma sociedade corrompida é o fruto mais devastador de causas que nos remetem à origem da dominação entre os homens, um traço obscuro da nossa história cuja determinação não é pontual e está longe de ser clara. A análise superficial da sociedade em que vivemos ilude os muitos que tomam o bonde para seguir o jogo cujo fim é determinado antes mesmo de a partida começar e, junto à cacotanásia diária que passa despercebida aos olhos de tantos, representa o contraste dos extremos de uma só paisagem: a exaustão da humanidade e de seus princípios.

(por Gustavo Henrique S. A. Luna)

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A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.