segunda-feira, 26 de julho de 2010

Gramática: O plural dos substantivos terminados em “–ão” tônico.

      Peço antes perdão ao visitante que me acompanha há algum tempo, aos amigos que me leem e ao visitante acidental, que de falta de tempo me fartei a não mais poder. Volto a casa, a estas bandas, a estas aldeias gramaticais, para tentar, responsável e verdadeiramente, desmitificar o monstro que se faz dos plurais dalguns substantivos amigos. Hoje respondi a questão de morfologia muito comum. Perguntou-me confrade do nosso fórum Só Português, que pessoalmente ainda chamo SOLP, quais regras determinam os plurais de substantivos terminados em -ão tônico. Abaixo está o que lhe respondi.

Olá, ***. O que se sabe é que não há regras que definam os plurais de substantivos terminados em -ão tônico. Num mecanismo suficientemente lógico, existem, por exemplo, regras que determinam os plurais de substantivos terminados em -l; para os terminados em -ão tônico, infelizmente, elas não existem. O que as gramáticas mostram são exemplos e mais exemplos de uso. Rigorosamente, fazem-se descrições dos plurais de nomes em -ão tônico com o uso de regras morfofonêmicas, o que não é nada interessante em estudo descritivo mais simples, como o do ensino médio. Bechara, em sua Moderna Gramática Portuguesa, afirma que "os nomes em -ão tônico a rigor pertencem à classe dos temas em -o ou em -e, conforme o plural respectivo" (BECHARA, 2005: 119). Baseado numa estratégia proposta por Mattoso Câmara, o que Bechara descreve é o caminho inverso: do plural se descobre o tema do substantivo. Isso não é regra para determinar plural; assim o que se pode fazer é reunir e categorizar palavras com o mesmo tema e submetidas às mesmas regras morfofonêmicas.

1.º) Substantivos com radical em e com tema em -e fazem plural com o acréscimo de -s. Por exemplo, leão faz leões (*leõ + e + s); visão, visões (*visõ + e + s); coração, corações (*coraçõ + e + s) etc. Neste grupo está a maioria dos substantivos em -ão tônico. Todos os abstratos terminados nos sufixos -ção, -são e -ão seguem essa "regra". Obs.: Uma dica geralmente certeira é relacionar o substantivo com algum adjetivo derivado para descobrir a terminação de seu radical modificado pelas regras morfofonêmicas. Por exemplo, sabe-se que, na formação consequente, o radical de leão é leõ, e não leã, recorrendo ao adjetivo leonino, em que esse radical está evidente (*leõ = *leo(n)).

2.º) Substantivos com radical em e com o tema em -o fazem o plural com a adição da desinência -s. Por exemplo, irmão faz irmãos (*irmã + o + s); cidadão, cidadãos (*cidadã + o + s); cristão, cristãos (*cristã + o + s); grão, grãos (*grã + o + s) etc. A dica da observação do item anterior não se aplica a esses substantivos. Notem-se as palavras relacionadas que seguem as mesmas regras morfofonêmicas: irmão, irmanar, irmandade; cidadão, cidadania; cristão, cristandade; grão, granito, granoso. Elas apenas esclarecem que o radical consequente termina em , e não em ; não sugerem, portanto, nenhum caminho para determinar o plural. A razão disso aparece na observação presente no tópico seguinte.

3.º) Substantivos com radical em e com o tema em -e fazem o plural com a adição da desinência -s. Obs.: Nesse ponto reside o problema, e nele muitos se embananam, saracoteiam, e não saem do lugar. Ora! Não saem porque não há aonde ir. A questão é que os substantivos desse e do segundo caso têm radical consequente, já preparado pelas regras morfofonêmicas, com a mesma terminação, e neles aparecem vogais temáticas distintas. Como usa dizer meu pai: "Aí, babau!", porque não se pode recorrer à dica da semelhança material com palavras de outras classes, pois nestas, no mais das vezes, não aparecerá a vogal temática, que é o ponto distintivo nesse caso. Em panificar, tem-se *pã(n), mas não há sinal da vogal temática, para que se possa determinar o plural de pão. Deixando de lado nosso conhecimento da forma das palavras (estabelecido pela frequencia com que se nos deparam) e seguindo estritamente o modo como se formam, consoante o processo já descrito, sabendo que *pã é o radical, poder-se-iam formar pãos ou pães, já que, num raciocínio direto, não se sabe que, na formação do plural de pão, aparece a vogal temática e. O mesmo acontece com capitão, alemão, catalão, escrivão etc. Resumindo: Nesse caso, é possível excluir o primeiro tipo de plural, com radical consequente em , mas não é possível, seguindo raciocínio estritamente lógico, determinar se o plural de um substantivo com radical em termina em -ãos ou em -ães. Isso é questão baseada no uso, na frequência com que os grandes nomes da Literatura flexionavam esses substantivos. Tanto é assim, que muitos desses substantivos apresentam mais de uma forma para o plural (aldeão: aldeãos, aldeões, aldeães; refrão: freãos, refrães). Bechara, evidenciando o modo desregrado como se dão esses plurais, afirma que "dada a confluência das formas do singular num único final -ão (diferenças no plural, como acabamos de ver), surgem muitas dúvidas no uso do plural, além de alterações que se deram através da história da língua, algumas das quais se mantêm regional ou popularmente, em geral a favor da forma plural -ões, por ser a que encerra maior número de representantes" (BECHARA, 2005: 120).

O segredo, ***, é semelhante, excetuando-se as regras seculares, ao da ortografia: envolver-se bastante com as palavras, através do hábito da leitura e da escrita, ou seja, alimentar continuamente nossa memória visual das palavras. O que as gramáticas escolares fazem é listar os plurais de substantivos terminados em -ão tônico em três categorias, tendo o aluno de se virar para decorá-los. Feio, isso. Não achas?

Abraço.

Até outros tópicos.

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A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.