sábado, 24 de dezembro de 2011

Crônica: Se correr, é pior!

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Se correr, é pior!

Gustavo Henrique S. A. Luna

    No caso, era uma chinelada nas canelas, uma "havaianada" no meio do espinhaço, uma "cinturãozada" com o "plus" de uma fivela da grossura de um dedo mindinho.
    Uma história rapidinha: quando "menino-véi-do-buchão", tinha atirado uma tigela de gelatina de morango em Niele, lambuzando a camisola que minha irmã usava. Ora, ela, muito mais velha que eu, partiu na carreira; eu, entanto, saí batendo os calcanhares na bunda. Enfim, ela não me alcançou. E também saiu dizendo que, se eu corresse, seria pior. Como estava em vantagem na carreira, não tive dúvida alguma, continuei ligeiro em direção ao oitão dianteiro da casa. Lembro, no entanto, que a corrida não havia sido de todo fácil. Havia uma série de obstáculos. Como me havia programado mal, tomei o trajeto errado, o corredor entre o linde interno da casa e o oitão da lateral esquerda, que servia de canil para o velho capitão Bubu (que Deus o tenha bem no Céu dos Cachorros!) e onde também havia fincado morada um outro ser, bem menos barulhento do que o nosso cão patrulheiro, um mamoeiro macho que, não sei como, resistia incólume às unhadas diárias do cão. Nessa curta distância, pouco menos de dez metros, havia duas muretas de concreto, as duas entradas para o canil. Havia portinholas, mas, com a pressa com que vinha, elas não me ajudaram muito. Saltei (Deus sabe como o fiz), sem perder o pique, a primeira mureta, dei com os peitos no tronco do mamoeiro e, já na segunda mureta, ralei a perna na parte de cima da portinhola de metal. A corrida com obstáculos não acabaria na travessia da morada do velho Bubu. Quando tomei a direita, já com o intuito de saltar o oitão da frente e me ver livre de uma "cinturãozada" de Niele, que então espumava de chateação, acabei passando pelo copiá, onde havia um viveiro, quatro cadeiras e uma mesa de centro. Relembrando isso, ainda digo que as mães planejam o ambiente com o intuito de que os filhos se machuquem. Bom, lembro que dei com o mindinho na quina da mesa de centro. O medo da "cinturãozada" foi maior do que qualquer esboço de careta ou do que a expressão de palavrinhas sujas inspiradas pela dor, que tardou, mas veio. Saindo do copiá, veio a redenção: com dois ou três pulos, da parte mais alta do corrimão esquerdo da escadaria, me enganchei num galho velho da quixabeira (ah! a quixabeira! tempo bom de meninice) e daí me pendurei em cima do muro. Pronto! Minha homérica aventura de infante estava concluída. Os detalhes finais talvez incluam alguma zombaria que prestei, ainda em cima do muro, orgulhoso de minha façanha, à irmã, que bufava de raiva. Tinha a certeza de que a "falta-de-vergonha" [que bem compreenda o leitor, neste momento, o que quero dizer com essa "falta"], típica da meninice, não pertencia mais a minha irmã, no vestíbulo da adultidade, e que, por isso mesmo, teria sido impedida pela vergonha de se expor aos olhos dos vizinhos ao correr atrás de um menino, como se também fosse uma meninona. Ledo engano: era uma meninona, sim! Uma meninona que correu atrás de um menino, mas dentro de casa. Essa foi a grande diferença.
    Bom, a verdade é que saltei, atingindo o calçamento da Rua Pe. Ibiapina, em Crato. Uma liberdade que só pode ser experimentada por quem já extraiu o máximo da infância.
    Depois veio a dor no mindinho torto, excruciante...

2 comentários:

  1. Parabéns Gustavo! As crônicas são de uma natureza muito sincera. Quanto mais no quintal ou oitão da lembrança, mais universal é.
    Imaginarium Rex

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  2. Muito obrigado, "Imaginarium Rex".

    Saudações.

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A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.