terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Crônica: A origem da palavra “forró”.

E sobre a origem da palavra forró? Existem teorias mirabolantes que são, diariamente, difundidas nesses tempos de “livre comunicação”. Confundiram Jesus com Genésio e andam achando que não existe responsabilidade com o que é escrito quando o assunto é Internet.

“As palavras também têm seu romance de vida.” A. Guilherme Grings, A história natural no romance da etimologia.

   Não sei se já escrevi sobre o assunto nestas searas, mas não me furto a relembrar que nada tem que ver a palavra forró com a expressão inglesa for all. Isso é invenção de quem tem preguiça de pesquisar e vê nessa estratégia um jeito muito cômodo de falsear a etimologia. Admito que não deixa de ser engenhosa a associação. Afinal de contas, existe o contexto histórico para fortalecer a carcaça de uma tese que, em verdade, tem um chassi muito frágil. Na versão popular, conta-se que a palavra surgiu da leitura estropiada da expressão inglesa, com que os oficiais da base aérea estadunidense de Natal indicavam que a festa, o forró, era aberta para todos. Em outra versão, igualmente popular, diz-se que quem indicava a festa eram os engenheiros ferroviários da famosa companhia inglesa Great Western, a famosíssima "Gretueste", palavra assim pronunciada pelo matuto de um dos causos do nosso Jessier Quirino. Mas a etimologia popular, engenhosa, fruto do esfervilhamento de criatividade da mente do povo, como registram os livros de Linguística, é isso mesmo: é inventiva demais e, no mais das vezes, falsa. Então, se você ouvir uma história muito bem urdida, que soa muito engenhosa e verdadeira, seja cuidadoso, pare e vá pesquisar nos etimologistas mais sérios, que, antes de tudo, são filólogos, historiadores da língua. Desse modo, é quase certo que sejam etimologias puramente populares e mentirosas. O fato é que, infelizmente, a história da maioria das palavras da Língua Portuguesa é meio sem graça, sem a cor, o cheiro e o sabor que só o povo sabe e pode lhe dar. A gente lê as etimologias populares como quem se deleita com uma crônica humorística, como quem se encanta com os contos populares registrados por Câmara Cascudo. A gente lê a história falsa de um vida verdadeira, pungente, que têm as palavras que o povo costuma usar, e lamenta por não serem esses registros, de domínio público, a sua verdadeira biografia, como se fossem contos do fantástico.

“Como a etimologia ensina coisas — é como se a origem das palavras contivesse toda a sabedoria do mundo.” M. Julieta Drummond de Andrade, O valor da vida.

   E a etimologia correta? Bom, forró formou-se da redução de forrobodó, uma palavra muito mais antiga do que qualquer base aérea estadunidense ou do que qualquer uma das linhas férreas da Great Western. O étimo data do período colonial e significa baile popular ou mesmo confusão. Hoje em dia, o povo costuma, com mais frequência, fazer referência, usando a palavra forró, à música que é tocada no baile, numa espécie de metonímia que se foi construindo com o tempo. E, com o apagamento da etimologia, legada ao limbo da memória dos falantes, deu-se a catacrese. Os gêneros musicais sertanejos chamados baião e xote é que são tocados no baile chamado forró, ou forrobodó.

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A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.