terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Crônica: Dia do Forró e do Rei do Baião.

    Hoje se comemora o dia do forró, data devida ao aniversário de nascimento daquele que foi, certamente, o artista que, através da música, mais se envolveu com a popularização da cultura nordestina nas demais regiões do País, o Rei do Baião, Luiz Gonzaga. Não tenho a pretensão de acrescentar nada sobre Gonzagão; todo conhecedor, mesmo que de-vista [sic], como diz um amigo, sabe o peso da figura desse homem, que, mais do que sanfoneiro, intérprete e compositor, soube, como ninguém, ser o grande repositório musical da cultura popular nordestina. Ao lado de tantos parceiros musicais, como Humberto Teixeira, Zé Marcolino, Zé Dantas e outros tantos, o Rei contribuiu com a sacralização da figura do vaqueiro e com o registro musical das tradições. 
01     Quando interpretou “Acauã”, de Zé Dantas, decantou o que há de mais puro e representativo da seca na fauna do semi-árido, através da descrição lamuriosa da ave agoureira. Essa canção, de tão recheada de beleza e de poesia, me inspirou a escrever as minhas primeiras décimas, aos moldes do gênero popular, que têm por título e mote “A Acauã de novo ilustra/ Triste seca no sertão”, que pode ser lida neste blogue através deste linque. Quando cantou as belezas de minha cidade natal, o Crato, ou a Vila Real do Crato, como alguns conterrâneos meus gostam de chamar, encheu o peito do povo dessa cidade de orgulho, cantando o seu apreço por esta terra de clima ameno, de população acolhedora, no sopé da Chapada do Araripe. Alguns poetas, como fez Manuel Bandeira, precisam imaginar e inventar uma cidade para lhes servir de refúgio, de paraíso; já outros dizem, como fez Gonzagão, “Eu vou pro Crato!”, sem precisar imaginar, nem inventar, porque esse paraíso existe, de fato, e fica bem no Coração do Cariri, como diz o próprio Rei. “Cratinho é de Açúcar, o Cratinho é doce!”, disse Gonzaga no trecho de conversa ao final da canção. 02 Quando registrou o corriqueiro e o pitoresco da crônica sertaneja, cheia, até a tampa, de um humor inigualável, como foi o caso da canção “Samarica Parteira” (de Zé Dantas), “Dezessete e setecentos” (de Miguel Lima), “Não vendo nem troco” (com Gozaguinha), “O forró de Mané Vito” (com Zé Dantas), “Derramaram o gai” (com Zé Dantas), “Siri jogando bola” (com Zé Dantas), “Lorota boa” (com Humberto Teixeira), “Galo Garnizé” (com Miguel Lima), “Lá vai pitomba!” (com Onildo Almeida), “Ovo de codorna” (de Severino Ramos), “Capim novo” (de José Clementino, recentemente falecido), “Buraco de tatu” (de Jadir Ambrósio e Jair Silva), “Faz força, Zé” (de Rosil Cavalcante), “O tocador quer beber” (com Carlos Diniz), “Casamento improvisado” (de Rui Morais e Silva) etc., Gonzaga resgatou nessas canções o trocadilho, o sarro, a gozação, através da figura do sujeito preguiçoso, que não quer trabalhar; da metáfora do buraco de tatu; do valentão que acaba o samba no forró de Mané Vito; do pitoresco e do surrealista na imagem do siri jogando bola; da altercação financeira sobre o troco que deveria ser de 16.700 réis; do registro duma carreira desaforada que tomou, em riba de uma bestinha, um dos trabalhadores do Capitão Balbino, atrás de Samarica, uma parteira da região; da descrição supreendente da paixão por uma égua; do festival hilário de lorotas muito criativas; do cabo que se deu ao galo da vizinha por ele ter-lhe beliscado o pé; dos efeitos revigorantes (dizem) do ovo de codorna; do tratamento inovador com “capim novo” para o amigo velho que já está enviesando o serviço, sem energias; da engraçadíssima narrativa de um sujeito medroso que não soube conquistar a donzela e mandou outro indivíduo, mais esperto, fazer o serviço; e por aí vai. 03 O mundo musical do Rei do Baião é um universo que não cabe em si mesmo. Quando musicou as redondilhas menores de Patativa, do poema “A Triste Partida”, não só contribuiu com a popularização da temática do sertanejo flagelado, que deixa seu torrão em busca de vida melhor em outras terras, como também ajudou a levar às demais regiões do País o nome dessa ave candora que tanto nos orgulha com poesia simples, pura e bela. Quando cantou o nosso conterrâneo ilustre Aderaldo Ferreira de Araújo, o Cego Aderaldo, imortalizando o trava-língua “Quem a paca cara compra paca cara pagará”, criado por Firmino Teixeira do Amaral, o inventor, por sinal, desse gênero temático de poesia (veja este linque), novamente deu margem ao bate-papo tão bonito e produtivo entre música e literatura de cordel. Gonzagão registrou em música, como ninguém jamais havia feito, a fauna sertaneja, principalmente as aves, e a significação que elas têm para o homem do sertão. Histórias belíssimas, de uma riqueza ímpar, são contadas em canções como “Assum Preto”, talvez uma das mais lindas de Luiz e de Humberto Teixeira; “Sabiá” e “Acauã”, ambas compostas com Zé Dantas; a mais famosa da dupla Humberto e Gonzagão, “Asa Branca”; “Fogo-pagou”; “Pássaro Carão” e por aí vai.
04     Hoje, de manhãzinha, assistindo a uma reportagem sobre o dia do forró, feita por emissora de tevê cearense, pude conferir os depoimentos de alguns músicos sobre a importância da canção de Gonzaga, e um deles, Waldonys, o Garoto Atrevido, como o Rei lhe chamava, disse uma verdade que revela uma das características musicais mais importantes de Gonzagão, um traço que só pode ser encerrado por verdadeiros gênios da música: a canção de Gonzaga é atemporal! Você não escuta um sujeito dizer, ao ouvir uma música sua: “Eita, que essa é das antigas!”. Isso não existe quando o assunto é o Rei do Baião, um artista atualíssimo, principalmente porque cantou um tema imarcescível, que é o tema sertanejo, um assunto perene no inconsciente popular de todo e qualquer nordestino. E, enquanto esse sentimento nordestino, popular, estiver vivo, pulsando dentro do nosso peito, a música de Gonzagão viverá!

2 comentários:

A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.