segunda-feira, 28 de abril de 2008

Gramática: o verbo fazer, unipessoal ou impessoal?

Há uma figurinha repetida no fórum SOLP: a questão que trata do verbo fazer em orações que dão idéia de tempo. Trato, explicitamente, de expor o que pensam alguns acerca da possível unipessoalidade de tal verbo, sempre relevando o que pensa a maioria dos gramáticos sobre tal caso. Foram duas dúvidas bastante pertinentes que me fizeram escrever sobre a coerente, apesar de bastante incomum nesse caso, unipessoalidade. Cá estão as  perguntas e as respostas:

Faz duas horas que espero por você
Alguém poderia me ajudar? Qual seria a função sintática de que espero por você?

Olá, ***. Essa tua pergunta é bem pertinente, porque ela ainda gera um pouco de polêmica. Eu disse, certa vez, neste fórum que, em orações nas quais aparece o verbo fazer, em acepção de tempo decorrido, o sujeito seria considerado unipessoal por alguns gramáticos, em vez de impessoal. Ex.: Faz dez anos que deixei de beber (suj.: que deixei de beber). Esse raciocínio, apesar de coerente, é um pouco radical, pois a maioria dos bons gramáticos consideram que haja, em verdade, uma oração sem sujeito e que o verbo seja, portanto, impessoal. Tomando como mais apropriado o que dizem esses bons gramáticos, a oração que espero por você de tua citação seria tão-só a oração principal do período composto por subordinação. Outro detalhe que devo salientar é que o verbo esperar, em acepção de estar à espera de alguém ou de algo, não é transitivo indireto, e sim direto. A tua frase seria, portanto, melhor escrita assim: Faz duas horas que espero você. Desse modo, o termo você seria o objeto direto do verbo esperar. Isso é tudo que tenho a dizer. Um abraço, e até outros tópicos.

Em outro tópico, foi melhor explicado o caso em que o verbo fazer, em acepção de tempo decorrido, pode ser visto como unipessoal, mesmo que, torno a lembrar, seja encarado como impessoal por grande parte dos gramáticos. Apesar de a questão do referido tópico ser outra, nele acabo explicando a interpretação da unipessoalidade de tal verbo. Cá está o tópico a que me refiro:

Olá, ***. Vou-te explicar melhor a flexão verbal quando ocorre sujeito oracional. Antes de tudo, verbo unipessoal é aquele que, tendo sujeito, só se usa nas terceiras pessoas, do singular e do plural. Exemplo claro da unipessoalidade verbal são os verbos onomatopaicos: grunir, miar, latir, etc. O verbo também é unipessoal quando ocorre sujeito oracional. Ex.: Convém que voltemos cedo (suj.: que voltemos cedo). Alguns gramáticos consideram o verbo fazer, referindo-se a tempo, como unipessoal; outros o consideram impessoal. Em provas de concursos e vestibulares, deve-se considerá-lo impessoal, apesar de tal discussão. É importante apenas que se note a justificativa daqueles que o vêem unipessoal: eles afirmam que a oração principal do período tem como sujeito a oração subordinada substantiva introduzida, como é de nosso conhecimento, por conjunção integrante que. Ex.: Faz dez anos que Juninho comprou sua bicicleta. (verbo unipessoal: faz; sujeito oracional: que Juninho comprou sua bicicleta). Há equivalência elucidativa com a oração assim reconstruída, substituindo o sujeito oracional pelo pronome substantivo demonstrativo neutro isso: Faz dez anos isso. O gramático que afirma categoricamente a unipessoalidade do verbo fazer é Sacconi, considerado por muitos como radical, por não concordar com algumas posições da NGB. Vejamos o que afirma em uma nota de observação contida em sua gramática Nossa Gramática - Teoria e Prática:

 

1) Consideramos unipessoal, e não impessoal, o verbo fazer seguido da oração iniciada pela conjunção que, a nosso ver integrante. A NGB não trata dos verbos unipessoais, considerando todos os verbos só usados nas terceiras pessoas como impessoais, incorrendo num equívoco imperdoável.

 

Na frase Faz dez anos que deixei de fumar, a oração iniciada pelo conectivo é substituível pelo pronome substantivo isso, o que comprova seu valor substantivo:

 

Faz dez anos que deixei de fumar = Faz dez anos isso.

Perguntou também o caro forista:

Pergunto, a ordem direta poderia ser escrita assim:
"Distinguir os passageiros casuais dos chamados 'ratos de metrô' é muito fácil"?

Quanto à ordem direta que me sugeriste, ela está correta, apesar de a ordem inversa (predicado nominal + suj. oracional) apresentar melhor valor enfático do predicativo do sujeito. ***, espero ter-te ajudado, um abraço deste que te escreve, e até outros tópicos.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo aprofundamento da resposta. Está excelente a su argumentação. Beijoca! Lucília

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  2. Olá, Lucília. Agradeço o seu comentário.

    Outra beijoca.

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A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.